Veneta Entrevista: Simon Hanselmann

Simon Hanselmann, em uma foto tirada ontem por Simon Hanselmann

*Por Rômulo Luis

Simon Hanselmann é um escândalo. Nascido na ilha australiana da Tasmânia em 1981, o artista já fazia zines desde os oito anos de idade. Em 2011, se mudou para Londres, onde deu início à série Megg, Mogg & Owl.

No início era uma coisa despretensiosa, uma paródia politicamente incorreta da série britânica de livros infantis Meg & Mog (de Helen Nicoll e Jan Pienkowski) publicada no Tumblr por falta de dinheiro pra imprimir zines coloridos. As histórias acompanhavam a vida decadente e desregrada de um núcleo de personagens bizarros: Megg, uma bruxa depressiva, Mogg, um gato maconheiro, Coruja, uma coruja almofadinha e Jones, um lobisomem traficante. À medida que o tempo passava, os protagonistas ganhavam profundidade, seus dramas se tornavam complexos, e as piadas ficavam cada vez mais sombrias e absurdas. O sucesso foi tanto que em poucos meses, a Vice contratou Simon pra transformar Megg, Mogg & Owl em uma tira semanal.

Hoje, oito anos depois da estreia no portal norte-americano, com cinco livros publicados pela Fantagraphics, aparições na lista de best sellers do New York Times, traduções pra 15 línguas, um prêmio Angoulême e inúmeras indicações ao Eisner e ao Ignatz, Simon já é reconhecido no mundo todo como um dos maiores nomes do undergound contemporâneo. Mau Caminho, já em pré-venda aqui no site, é seu primeiro lançamento no Brasil e conta as desventuras de Megg, Mogg e Jones pra conseguir o dinheiro do aluguel após o Coruja se mudar. Uma edição de luxo, que você pode reservar com 20% de desconto aqui.

Diretamente de sua casa em Seattle, onde segue em quarentena, Simon concedeu uma entrevista especial pro nosso blog, na qual fala sobre influências, drogas, televisão, corante, Tasmânia, música, sucesso, fortuna e pandemia!

Obrigado pela entrevista, Simon. Eu tenho acompanhado seus quadrinhos de quarentena no Instagram e é impressionante como você anda produtivo. Como surgiu a ideia? Tem sido difícil fazer uma tira diária?

Você pode conferir a série Crisis Zone, sobre a pandemia, no instagram do Simon.

Simon: Sim, é meio horrível fazer uma tira diária, uma prisão que eu mesmo criei… era pra durar só trinta dias! Acho que eu comecei a fazer isso para lidar
com toda essa merda surreal que está acontecendo e eu só queria publicar entretenimento grátis pras pessoas e partimos em uma jornada juntos…

Geralmente eu sou muito, muito contra “webcomics” e faço zines, mas o cara da gráfica local teve que fechar a loja. Eu não tive escolha a não ser usar o celular como minha ferramenta pra fazer piadas idiotas sobre dildos e comentários sociais arriscados pra pessoas deprimidas presas em casa.

Está dando certo, é uma trabalheira, mas as pessoas estão gostando, então eu não consigo parar. E 2020 continua cada dia mais absurdo. Eu espero tipo uma invasão alienígena de verdade em breve, ou algo como o fantasma de Hitler voltar e declarar guerra contra os vivos. Na verdade eu devia estar trabalhando na sequência de Mau Caminho, mas simplesmente não consigo parar de fazer essa webcomic não-canônica idiota. E ainda não acabou…

 

Mas e aí? O que você diz sobre finalmente ser publicado no Brasil?

Simon: Eu gostaria de agradecer à minha fantástica agente literária Alessandra, da AMbook, por ter me garantido um acordo quente. Acabei de alugar uma Maserati!

Eu faria uma visita, como tinha planejado, mas agora não saio mais de casa. Nem nunca mais sairei. Minha Maserati segue inutilizada na garagem, coberta de grafites anárquicos…

Cena de Mau Caminho

É interessante em Mau Caminho como os personagens estão sempre assistindo programas antigos, como M * A * S * H ​​e A Feiticeira, mesmo que a HQ pareça se passar hoje em dia. E eu me peguei pensando: afinal, onde e quando a história acontece? Você pensa em uma cidade ou época específica quando escreve?

Simon: Mau Caminho se passa especificamente no início de 2015, após os eventos de 2014 de Megahex (ainda inédito no Brasil), em um cenário ocidental genérico. Rolam uns flashforwards e uns flashbacks e é impossível entender todos esses livros de uma maneira simples … É um quebra-cabeça que você precisa montar, tipo o Building Stories do Chris Ware, só que com mais pênis e bongues. Você pode ler tudo em qualquer ordem. Mau Caminho tem um resumo das três outras coletâneas no começo, nem se preocupe em ler as 700 páginas anteriores… tanto faz!

Com relação ao M * A * S * H e A Feiticeira e aos programas de TV antigos, eu cresci na Tasmânia, ainda estávamos vendo essa merda até o final dos anos 2000. É um lugar bem atrasado no tempo… tão longe… eu sinto falta…

Você nasceu na Tasmânia, depois se mudou para Londres e agora vive em Seattle. Como foi todo esse processo? Você sente a influência de ambientes tão diferentes no seu trabalho?

Simon: Ah, é tudo a mesma coisa. Mc Donald’s e goró e táxis e racismo e bares e clubes e brigas de bar e quartos. Um prato de vômito do lado do colchão de manhã cedo.

Eu já estive em todo o mundo e há pequenas diferenças, mas é basicamente a mesma coisa. Só um monte de nerds lendo quadrinhos, se masturbando.

É uma pergunta bem clichê, mas eu adoro: quais são suas referências? Ouvi dizer que você é fã do Peter Bagge e isso faz bastante sentido, mas você tem influências fora dos quadrinhos, tipo na literatura ou na pintura?

Peter Bagge e Daniel Clowes

Simon: Sim, eu amo o Peter Bagge. Eu amo o (Dan) Clowes. Eles são provavelmente meus cartunistas preferidos de todos os tempos. Eu amo Todd Solondz, o diretor americano. Meu escritor preferido é provavelmente o Knut Hamsun. Eu realmente gosto de A Flor da Inglaterra (Cia. das Letras, 2007), de (George) Orwell.

A coisa que eu mais gosto de todos os tempos é provavelmente comédia britânica. Chris Morris, Julia Davis, Armando Iannucci. Esse tipo de merda. Eu amo Peep Show. Minha produção televisiva americana preferida é The Larry Sanders Show. Meu comediante preferido é provavelmente o Stewart Lee, apesar de ele se deixar levar…

O uso do corante alimentício Queen é meio que uma marca registrada no seu trabalho. Por que você escolheu esse tipo de material e como isso funciona?

Simon: É só barato. Funciona como uma aquarela diluída, mas dura pra sempre. Comecei a usar em 2004 ou algo assim, durante a minha época super pobre e idiota e nunca mais olhei pra trás…

Tem sido estranho fazer o lance da Covid pro Instagram com lápis de cor. Eu meio que não sinto falta da pintura, leva tempo pra caraaaaaaalho. Mas fica bem
melhor…

Acima, Daniel Clowes cheira uma calcinha. Você pode conferir Truth Zone na íntegra em inglês neste link.

Seus quadrinhos são bem pessoais, às vezes de uma maneira até meio cruel (risos), como na série Truth Zone*. Você já recebeu algum feedback raivoso de algum amigo envolvido em alguma história? *Truth Zone é uma série de histórias curtas publicadas originalmente no Tumblr e em zines de baixa tiragem onde Simon usa seus personagens pra satirizar polêmicas recentes e personalidades do quadrinho alternativo.

Simon: Todos os meus amigos são babacas, então não, eles nunca reclamam. Eu tenho alguns difamadores on-line aqui e ali, vem no pacote quando você pressiona os limites do bom gosto e tenta explorar toda essa merda sem levar em consideração os caprichos de um grupo seleto de críticos.

Eu nunca ofendo só por ofender, mas às vezes as coisas ficam estranhas… Eu gosto da sátira. Eu gosto de contradições bagunçadas. Eu nunca quero dizer explicitamente pra ninguém o que pensar…

Três filmes e três álbuns que você recomenda pros fãs de Megg & Mogg?

Simon: Filme: Felicidade, do Todd Solondz. Tão brutal.

Não sou um grande conhecedor de filmes… Só possuo o catálogo do Solondz e alguns filmes aleatórios do Rainer Werner Fassbinder. Eu sou um nerd da TV principalmente.

Twitch City é uma série canadense brilhante do final dos anos 90 sobre um cara recluso obcecado por televisão, é um dos meus DVDs mais preciosos. Aaah e Ideal. Série britânica sobre um traficante de drogas que nunca sai de casa… Eu gosto de coisas em que as pessoas não saem de casa… Eu me identifico.

Felicidade, Twitch City e Ideal

Álbuns de música. Essa é difícil… Eu não acredito em explicitamente divulgar o gosto musical de uma pessoa pros outros. Isso revela tanto sobre quem somos… (tradução: eu ouço muita merda que tenho vergonha de ouvir na minha idade e minha esposa tira sarro de mim por isso).

Aqui vão algumas seleções maduras e aceitáveis:

Wild Love do Smog. Prince Alone in the Studio é o meu hino.

It Was Hot, We Stayed In The Water do The Microphones. A trilha sonora da minha juventude, preso em uma ilha.

A Grand Don’t Come For Free do The Streets. Tenho ouvido isso recentemente enquanto lavo a louça… Venho ouvindo um pouco de Roxy Music“e todo esse jazz”!

 

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