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#15M: Sucesso, desafios e próximos passos para barrar os cortes

Por Antonia Malta Campos*

Fotos: Mídia Ninja (15 de maio de 2019_São Paulo/Av. Paulista)

“Gente estão fazendo de tudo para desmerecer a nossa luta, até mesmo gente dos nossos IF’s (oq deixa mais triste). Infelizmente teve gente que usou o “lulalivre” mas em compensação a oq os outros estudantes, profs e demais estavam fazendo não tinha nada a ver com isso. Eu fico muito chateada, pois quantos estudantes e profs deram o seu melhor lá, para que gente que nem teve a preocupação ou vontade de ir presenciar o ato ficar falando merda e generalizando oq não tinha para generalizar e tbm não duvido que muitos estudantes dos IF’s que apoiam o Bozo que estão nos desmerecendo com fakenews e exageros só por serem babacas e não aceitarem que este presidente não nos representa.” – Post de uma estudante no grupo de Facebook “De IF pra IF”

Primeiras ondas do Tsunami

Em primeiro lugar, é bom retraçar a trajetória dos protestos para compreendê-los. O #15M já existia antes dos cortes no orçamento das universidades e institutos federais: tratava-se da paralisação nacional do setor de educação e um “esquenta” para a “greve geral” do dia 14/6, que engloba também outras categorias. Sua pauta principal era a reforma da previdência. Tudo indicava que seria um dia de paralisação nas escolas estaduais e municipais, mas sem força nas universidades – e com protestos médios a pequenos liderados pelos sindicatos da educação.

Nos dias que seguiram o anúncio dos cortes, a indignação tomou conta das redes e a data foi, aos poucos, ganhando outro caráter: estudantes dos institutos federais assumiram protagonismo com a campanha #TiraMãodoMeuIF (que contou com atos menores no #13M e ações nas redes) e os estudantes e professores das universidades entraram em cena com maior peso. Nessa semana que antecedeu o #15M vimos uma mobilização descentralizada desses setores: ao mesmo tempo que os IFs agiam localmente nos campi e nas redes, assembléias estudantis (incluindo na pós-graduação) enormes eram marcadas em quase todas as universidades federais para aprovar a paralisação. No caso das universidades, vale notar que as palavras do ministro foram um grande motivador: uma campanha virtual descentralizada, mas coordenada, para “mostrar o que realmente se faz nas universidades” foi lançada: foram criadas pelo menos 17 páginas no Facebook estilo “Todo dia uma balbúrdia diferente na universidade” e proliferaram postagens de aulas e laboratórios com os dizeres “ciência não é balbúrdia”.

Além disso, um caldo interessante de novos repertórios reminiscientes do vira-voto de 2018 tomou as praças: estudantes apresentavam suas pesquisas de iniciação científica e pós-graduação e professores davam aulas públicas sobre os mais variados temas. Idéias sobre uma “universidade aberta” ou “a federal nas ruas” circulavam nas conversas sobre o que fazer para combater a máquina de difamação do whatsapp. Como destacou o pesquisador Fabrício Benevenuto, há meses essa máquina não registrava grandes novidades, mas a partir do dia 8 de maio ela foi resgatada em um esforço orquestrado de difamação das universidades federais: mensagens com “universitários nus, teses com nomes esdrúxulos e desenhos irônicos sobre estudantes de humanas”. No momento em que a milícia digital bolsonarista voltou à ativa, estudantes e professores retomaram os repertórios de “conversa com a população” que dominaram a semana anterior ao segundo turno das eleições de 2018 – uma resposta da esquerda nas ruas do que a direita fazia no whatsapp.

O transbordamento para fora da esquerda organizada

Foi o encontro de diversos atores que levou os atos do #15M a se transformarem no chamado #TsunamiDaEducação que levou 250 mil para várias capitais e registrou atos em pelo menos 198 cidades. A avaliação de que as manifestações transbordaram as fileiras da esquerda organizada parece ser o consenso nas análises e na cobertura da imprensa – até o MBL apontou em um post que o #15M havia “furado a bolha da esquerda”, que ali havia “pessoas de verdade” (não militantes), o que foi apontado (com razão) como perigoso para o governo.

Mas é importante entender como isso aconteceu. Não é apenas porque a educação é uma pauta popular na sociedade. É porque os cortes mobilizaram os jovens secundaristas dos Institutos Federais (os maiores responsáveis pelo fenômeno da capilarização, levando protestos para cidades pequenas) e os setores da universidade pública que estão via de regra fora do alcance do movimento estudantil: as faculdades das áreas da saúde, engenharia, veterinária, exatas e biológicas. O consenso de que o tsunami havia furado a bolha da esquerda levou muitos a realizarem comparações apressadas com Junho de 2013, mas há duas coisas fundamentalmente diferentes entre ambos fenômenos: em primeiro lugar, enquanto nos maiores atos de Junho não havia unidade clara de mobilização (as pessoas estavam ali em família? em coletivos? grupos de amigos? não havia padrão claro), no #15M as unidades eram claras: além dos sindicatos que convocaram originalmente as manifestações, os indivíduos não estavam soltos e eram as faculdades e os colégios que serviam de unidade de mobilização (pessoas se organizavam com camisetas das suas instituições e cartazes como “Poli USP contra os cortes”). Alguns grupos até realizaram atos menores de manhã e depois partiram em bloco para o protesto maior. É interessante notar que a identidade de “área” do conhecimento é uma das coisas mais marcantes da vida universitária, mas foi a primeira vez que ela protagonizou um protesto, pois geralmente o movimento estudantil universitário se organiza por chapas e partidos. Os partidos estavam presentes (principalmente nas capitais, tendendo a desaparecer nas cidades menores), mas não eram a unidade social mobilizadora – e isto é fundamental para entender como os protestos escaparam à esquerda organizada. A segunda diferença com relação a Junho é que a pauta era clara: nem o chamado original contra a reforma da previdência foi capaz de ofuscar os cortes de 30% nas instituições federais – muito menos pautas minoritárias como “Lula Livre”. Nas redes, a pauta da educação também foi clara, como mostram as hashtags levantadas no Twitter pelo pesquisador Fábio Malini: #educação; #TsunamiDaEducação; #EuDefendoAEducação

Durante e imediatamente após os protesto: as disputas em torno das percepções

Como destacou o Monitor do debate político no meio digital, quando ficou evidente que a estratégia de difamação das federais não estava surtindo o efeito esperado, a direta mudou seu foco: passou a desqualificar as manifestações como restritas à militância habitual e dominadas pelo petismo (o “Lula Livre” e o sindicalismo esteriotipado sendo a insígnia máxima capaz de operar este argumento). Essa não é uma estratégia nova, a última vez que vimos isso em peso foi em 2015-2016, quando Geraldo Alckmin e o chefe de gabinete da Secretaria Estadual de Educação na época travaram uma “guerra” contra os estudantes utilizando essa estratégia como um de seus carros chefes. Na época, isso não funcionou – mas poderia ter funcionado caso o teor das ocupações fosse outro. A realidade é que a aderência das organizações de esquerda na sociedade tem sido tão pouca que elas são percebidas por muitos como externas mesmo – instituições com sua própria agenda, que não necessariamente coincide com a “melhor educação pública”. No caso, não é relevante se isso é verídico ou não, mas a percepção das pessoas sobre o assunto. Caso as ocupações de escolas tivessem sido efetivamente feitas pela Apeoesp (o sindicato dos professores do estado de São Paulo), como acusava o governador, elas não teriam tido a força que tiveram e não teriam ganho a “guerra” em torno das percepções do protesto.

Aqui, é necessário voltar ao #15M para destacar a importância dos estudantes secundaristas e dos estudantes dos Institutos Federais na mobilização. Sem eles, há pouca chance de barrar esses cortes. Suas manifestações nas cidades menores e seus blocos nos protestos maiores nas capitais são reminiscentes das ocupações de escola de 2015/2016: estudantes revoltados de uniforme com o rosto pintado pedindo educação, com cartazes feitos à mão e gritando coisas como “nossa verba não é esmola, tira a mão da minha escola”. O impacto das ocupações de escolas se fez sentir também na recuperação de slogans da época como “por uma educação que nos ensine a pensar e não a obedecer” e “o governo não pode dar educação porque a educação derruba o governo”. Esse é exatamente o tipo de coisa que gera maior apoio e faz o espectador pensar duas vezes antes de atribuir à indignação aos “esquerdopatas”. Foi exatamente esse tipo de performance que blindou as ocupações de escola em 2015 das acusações que Geraldo Alckmin fazia, as mesmas que são feitas hoje no whatsapp pelo bolsonarismo. O fato é que não há como sustentar a tese de que “eram todos petistas” frente a protestos compostos por adolescentes uniformizados pedindo “mais livros, menos armas” e lançando hashtags como #QueroEstudarParaSerInteligenteDeBurroJáBastaOPresidente.

É claro que uma mobilização apenas secundarista não sustentará o necessário para barrar estes cortes, a participacão massiva dos estudantes e professores das federais será fundamental. Porém, é importante destacar que a sua verdadeira potência está naquelas unidades de mobilização em torno das identidades da “área do conhecimento” e da “ciência” – e não tanto nos sindicatos docentes ou DCE’s. Não se trata aqui de defender a ausência de sindicato ou partido, mas de disputar o jogo das percepções do protesto: um ato que gira em torno dos partidos e centrais sindicais é inteiramente legítimo, mas infinitamente menos potente. Em São Paulo, as entidades estudantis parecem também perceber essas sutilezas e utilizaram seu alcance para trazer mais estudantes para as manifestações e puxar gritos cuja pauta principal era a educação e realizar uma performance com carteiras escolares na rua, algo que também parece ter sido aprendido com os secundaristas de 2015. Enquanto isso, os discursos no carro de som focaram na previdência e no enfraquecimento da imagem do presidente, contando com a presença de lideranças partidárias – um resquício do que era o #15M antes dos cortes e que ficou afogado em meio uma multidão de professores e estudantes.

Quais são os próximos passos?

Além de destacar a importância desse jogo de percepções e unidades de mobilização, é preciso falar sobre inovação nos repertórios. Para os próximos protestos, duas datas competem: o #30M é a data das entidades estudantis (UNE, UBES e APGs) e o #23M é a data de outros atores políticos (predominantemente estudantis mas não apenas) que se formaram mais recentemente durante o ciclo de lutas 2015-2016, como os Secundaristas de Luta de São Paulo e o coletivo CWB Resiste em Curitiba. Enquanto os primeiros apostam em um calendário com maior proximidade à data das sindicais no dia 14/6, os últimos apostam no fenômeno de contágio e em um intervalo mais curto entre os protestos no estilo “amanhã vai ser maior”.

Independente de se haverá unificação ou não, a tática dos grandes atos de rua precisa ser otimizada: é necessário que os protestos deixem de lado a longa marcha ao embalo do carro de som e se organizem em blocos com fortes baterias e identidade visual com grande caráter performático. É preciso que performances sejam feitas na rua com carteiras escolares, uniformes e livros. Todos os recursos que possamos utilizar para otimizar o impacto visual dos protestos nas redes durante e após seu acontecimento, pois o fato é que os próximos serão provavelmente menores (salvo alguma nova trapalhada viral do governo) e portanto a lógica deixa de ser a dos números e passa a ser a do impacto na produção e circulação das percepções.

Isto me leva ao último ponto deste texto: além manter o espírito do vira-voto vivo nas praças é necessário retomar o espírito dos trancamentos relâmpagos descentralizados dos secundaristas de 2015. Em um momento em que as ocupação deixavam de ter destaque e estagnavam em seu crescimento, foram estes trancamentos performáticos que colocaram o assunto de volta na primeira página dos jornais. Eles são eficazes porque são um ato de desobediência, mas ao mesmo tempo conseguem escapar à percepção negativa: novamente, é difícil refutar jovens com carteiras escolares fechando avenidas e pedindo educação. Não há fórmula mágica do evento de protesto bem sucedido e os últimos anos têm nos mostrado que, mesmo com uma mobilização massiva, ainda é possível perder. Basta olhar para as mais de mil ocupações secundaristas em 2016 contra a reforma do ensino médio e as 10 mil pessoas na esplanada em Brasília contra a #PecDoFimDoMundo. Há poucas coisas que podemos controlar, o resto depende do andar de cima que hoje – ao contrário de 2016 – parece frágil.

*Antonia Malta Campos é socióloga e coautora de Escolas de Luta, com Jonas Medeiros e Márcio Ribeiro.

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