Como ficar milionário com quadrinhos!

18 de março de 2025 por
Como ficar milionário com quadrinhos!
Sarah Trunk

Al Capp nasceu em 1909, numa família pobre de imigrantes lituanos. Aos nove anos, teve uma das pernas amputadas depois de um acidente com um bonde. Passou a se dedicar ao desenho enquanto se recuperava no hospital. Frequentou várias escolas de arte, mas acabava sempre excluído por não ter dinheiro para pagar as mensalidades.

Estava decidido a ser cartunista. Por quê? “Ouvi falar que Bud Fischer (na época, um dos mais populares quadrinistas dos Estados Unidos) tirava três mil dólares por semana e tinha o hábito de se casar com condessas francesas, achei que isso era pra mim”.

Em 1933, estava na pindaíba total, vivendo em cortiços no Greenwich Village, em Nova York, quando encontrou Bud Fischer por acaso, na rua. Fischer reparou que Al Capp carregava uma pasta de desenhos. Os dois começaram a conversar a respeito de desenho, e Fischer o convidou para ser seu assistente. No ano seguinte, Al Capp lançou sua própria tira, Li’l Abner (Ferdinando, no Brasil), que foi um sucesso imediato. Assim, Al Capp foi da miséria à riqueza.

Você aprendeu como se faz? Está preparado para seguir o exemplo de Al Capp? Para começar, você nasceu em 1909 numa família pobre de imigrantes lituanos?

Se sim, leia o texto seguinte, trecho do prefácio de Dennis Kitchen para Shmoo, para saber como ficar ainda mais rico desenhando quadrinhos. (RC)


O quadrinista Al Capp já era mundialmente famoso e milionário em agosto de 1948, quando apresentou em sua tira diária Li’l Abner uma personagem rechonchuda, em forma de pino de boliche, chamada Shmoo. A peculiar criatura adorava humanos. Um Shmoo podia pôr ovos, garrafas de leite tipo A, ou até mesmo um bolo com vela de aniversário acesa instantaneamente, e, de bom grado, morria, se transformando em um bife grelhado, caso seu dono meramente olhasse para ele com cara de fome. Sua pele era de couro de qualidade, os olhos, botões perfeitos; seco, poderia ser serrado de comprido como lenha; e seus bigodes se convertiam em excelentes palitos de dentes. Os Shmoos se multiplicavam exponencialmente mais depressa do que os coelhos, de modo que uma família que os tivesse seria autossuficiente.

Como o velho guardião do Vale dos Shmoos alertava desde o início, eles eram bons demais para a humanidade, e nisso residia a essência do tortuoso conto moral de Capp. Os Shmoos aparentemente tocavam uma nota alegórica sobre tudo o que parecia errado no mundo pós-Segunda Guerra Mundial. Do ponto de vista político, debatia-se intensamente se Capp denunciava as falácias do capitalismo ou do socialismo – ou se apenas expunha o lado obscuro inerente da humanidade. Independentemente disso, a fofura óbvia prevaleceu, e inúmeros leitores desenvolveram uma profunda afeição pelos adoráveis Shmoos. Qualquer que fosse a base subjacente, as criaturazinhas se transformaram em algo maior do que um ligeiro entretenimento divertido.

Praticamente da noite para o dia – como formulou uma ousada manchete da revista Life – “Os Estados Unidos se shmootizaram”. A Newsweek acrescentou que “houve poucas manias como essa”. A personagem gerou um notável sucesso comercial que catapultou Capp a um patamar totalmente novo de riqueza e fama. É difícil transmitir, mais de sessenta anos depois, para uma nova geração, o súbito impacto que a adorável personagem de quadrinhos teve na cultura estadunidense.

Os Shmoos foram um fenômeno de merchandising do final de 1948 até por volta de 1952. As comparações contemporâneas são inevitáveis, mas as manias modernas quase sempre derivam de altos investimentos em televisão ou de produtos oriundos do cinema, pertencentes a grandes corporações, impulsionados por campanhas de marketing de massa, e tais esforços invariavelmente visam o mercado juvenil. O fenômeno Shmoo surgiu espontaneamente e se originou apenas da tira de jornal de Al Capp (algo que simplesmente não aconteceria hoje em dia), e exerceu seu apelo generalizado junto a estadunidenses de todas as idades e de ambos os gêneros. Se o quadrinista estava ou não usando os Shmoos para parodiar a instabilidade de qualquer sistema econômico, eles certamente revigoraram seus instintos “Cappitalistas”.

Quase cem produtos Shmoo licenciados por setenta e cinco fabricantes diferentes foram criados no primeiro ano da estreia das personagens, alguns dos quais venderam cinco milhões de unidades cada. Desodorizadores de ambiente, cinzeiros, saleiros e pimenteiros, ímãs, anéis, protetores de ouvido, cintos, bolsas e todo tipo de acessórios, piteiras de cigarro, discos fonográficos, cartões comemorativos, alfinetes de lapela, chaveiros, guarda-chuvas, grampos de dinheiro, copos para aperitivos, balões, relógios de pêndulo, máscaras de Halloween, cofres de moedas, lápis, apontadores, bonecas russas, sorvetes, iscas de pesca, sabonetes e gibis foram algumas das categorias de itens produzidos. Só no primeiro ano, os produtos Shmoo geraram mais de U$25 milhões em vendas – em valores de 1949.

A editora Simon & Shuster organizou rapidamente uma antologia, The Life and Times of the Shmoo, que se tornou um bestseller, com mais de 700 mil exemplares vendidos no ano de lançamento. Vários milhões de exemplares foram vendidos nos anos seguintes. O livro foi objeto de resenhas na maior parte dos jornais do país; muitas das quais publicadas ao lado das que falavam de Cruzade in Europe do presidente Dwight Eisenhower, outro dos grandes bestsellers daquela época. O sucesso milionário da Simon & Schuster foi o primeiro livro de quadrinhos a receber atenção literária séria, e foi muito elogiado até pelo The New York Times, um jornal que não publicava tiras.

A mídia abraçou o fenômeno. Shmoos – e o próprio Capp – foram capa da Time em 1950, depois de três artigos sobre os animaizinhos terem saído antes na revista. Matérias sobre Shmoo saíram na Newsweek (três vezes), Life (duas), New Republic, New Yorker, Publisher Weekly, Editor & Publisher (várias), Cosmopolitan e outras publicações importantes. Além disso, Shmoos eram um assunto relevante no rádio, nos primórdios da TV (incluindo o programa de televisão do próprio Capp e como convidado especial) e em inúmeros jornais.

Shmoos chegaram a invadir as últimas semanas da eleição presidencial de 1948. A mídia do país divulgou que o candidato republicano Thomas E. Dewey acusou o então presidente Harry S. Truman de “prometer tudo inclusive os Shmoos!”. E talvez Dewey não estivesse muito errado. Depois da eleição de Truman, o Departamento do Tesouro chegou a emitir um Título de Poupança Shmoo. O documento era ilustrado em cores com dezenas de criaturas de Capp e promovido pelo governo com uma campanha de publicidade multimidiática de U$16 milhões. Al Capp acompanhou o presidente Truman na cerimônia de lançamento do título Shmoo.

Shmoos de plástico recheados de doces foram lançados do céu aos berlinenses famintos pelo 17o Esquadrão Militar de Transporte Aéreo dos Estados Unidos durante o tenso bloqueio de Berlim Ocidental pela União Soviética. A Newsweek publicou que “quando os Shmoos recheados de doces foram lançados quase teve início uma rebelião”. Mais tarde a Força Aérea Americana até usou imagens dos Shmoos nas propagandas de alistamento militar.