O Escorpião e o Sapo Barbudo

18 de março de 2025 por
O Escorpião e o Sapo Barbudo
Editora Veneta

Por Rogério de Campos*

 

O Escorpião riu ao ver o Carrapato e o Ácaro se afogarem. Logo depois, estendeu sua pinça para a Aranha, que tentava se salvar em meio à torrente de água, mas quando a irmã aracnídea se aproximou, o Escorpião recolheu seu braço pedipálpico e deu uma gargalhada ao ver sua antiga companheira afundar nas ondas desesperada.

Para todo mundo, aquela tempestade era catastrófica, mas, para o Escorpião, era só divertimento. Viu a floresta ser devastada pela inundação, viu a morte de formigas e elefantes, de ratos e leões. A cada morte, aumentava seu sorriso cheio de ganância e a certeza: “vai sobrar mais para mim!”.

Era tanta a alegria que nem notara que aquele pedaço de madeira sobre o qual se equilibrava ia afundando à medida que absorvia a umidade. Além disso, o Escorpião não percebera que o rio seguia em direção à uma imensa catarata. Estava muito deslumbrado com aquela paisagem de destruição. Notou então uma carcaça verdolenta boiando na água. “Cadáveres são oportunidades”, pensou cheio de satisfação, observando o corpo esverdeado aproximar-se de seu pedaço de madeira. O Escorpião pensou em se alimentar de um pedaço daquela carne. Sua pinça cobiçosa já fazia clec clec quando aquele corpo verde se agitou e dali surgiram dois olhos e uma boca, que disse: “Suba aí nas minhas costas que eu vou te salvar!”.

O Escorpião deu um pulo para trás, tão para trás quanto era possível naquele pequeno pedaço de madeira.

— Vo-você... é um sapo! Um sapo velho! Barbudo! Mas… é um sapo vivo!

— E você não vai estar vivo por muito tempo se ficar nesse toquinho aí! Vamos! Sobe aqui nas minhas costas, rápido, que tem mais bichos precisando de ajuda!

— Como assim?! Estou bem aqui! E a última coisa que preciso é de um sapo falador!

— Está bem nada! Você só acha isso porque é um abestado! Sobe aqui no meu cangote porque não temos muito tempo.

Foi nesse momento que o Escorpião percebeu sua real conjuntura. Olhou em volta e viu que o Sapo Barbudo tinha razão: sua jangada improvisada afundava! O Escorpião entrou em pânico e disse por dezenas de vezes: não, não, não, não, não…

O Sapo tentou acalmá-lo:

—  Dom Escorpião, fica tranquilo. Vamos para a margem do rio, para terra firme, e depois a gente acerta as diferenças. Mas agora, precisamos sair daqui!

—  Nem vem com essa conversa! Eu sei que você não confia em mim! Eu não confio em você!

—  Larga de besteira! Sei que você aprendeu a lição do passado, que não vai mais me picar! Eu te ajudo agora, depois você me ajuda quando eu precisar e vamos ser amigos. Sobe aí!

O Escorpião ainda vacilou um pouco, e então pulou para as costas do sapo.

—  Mas veja lá o que vai fazer! Não quero me afogar por sua culpa!

—  É só você ficar quieto, Escorpião, e a gente chega à margem.

—  Chega como? Você nada muito mal!

—  Deixe-me nadar como sei!

—  Ah! Que lástima essa minha situação!

—  Por favor, fique quieto, não me atrapalhe.

—  Fique quieto você e vê se nada direito!

Então os dois foram em silêncio por alguns minutos. Até que o sapo sentiu  uma dor lancinante nas costas.

—  Escorpião…! Você me picou!

—  É claro que te piquei! Você balançou, eu me assustei, foi por isso que te piquei! Quem mandou você se balançar? Seu idiota!

—  Agora... nós vamos morrer! Eu envenenado e você afogado!

— Tudo culpa sua! Sapo incompetente!

Um passarinho viu a cena e gritou para o Sapo:

—  Mas por que você decidiu carregar o Escorpião? Sabe como ele é traiçoeiro! Não é a primeira vez que ele faz algo assim!

E o Sapo, afundando, disse suas últimas palavras:

—  Porque é da minha natureza.

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