Um romance gráfico atropelador

27 de março de 2025 por
Um romance gráfico atropelador
Editora Veneta

Por Ronaldo Bressane

Este é daqueles romances gráficos que no final você pergunta a placa do caminhão que te atropelou. Volta pro começo, tentando entender, lê tudo de novo e o sentido nunca se esgota. Duvidava que Nick Drnaso (pronuncia-se Dârnásso) lograsse um livro tão inquietante quanto Sabrina, mas ele foi ainda mais longe em sua investigação sobre os limites do real em Aula de Teatro. Se você gosta de um visual minimalista como o da série Ruptura, este livro é pra você. Idem se você gosta de charadas, de sutilezas, de nuances.

"Se você gosta de um visual minimalista como o da série Ruptura, este livro é pra você"

O traço quase transparente de Drnaso é exatamente o oposto das HQs de super-heróis que deram nosso letramento na nona arte - nenhuma onomatopeia, nada de cores berrantes, nenhum recordatório redundando a ação, nenhuma ênfase. Não tem gritaria e nada é literal. A ação ininterrupta oculta sentidos nas entrelinhas do enredo e, apesar da aparente apatia evidenciada pelo traço que os torna extremamente parecidos, os personagens têm arcos dramáticos sutis e mudanças cruciais. 

Várias pessoas comuns de uma cidadezinha comum buscam um curso supostamente comum de teatro - um troço aparentado a psicodrama que é tocado por John Smith, um sujeito tão normal quanto enigmático. Smith é grisalho, tem dentes ruins, jeito acolhedor e boa-praça, mas é melífluo e manipulador. Ele percebe que as pessoas buscando seu curso é gente quebrada, com problemas de autoestima e pecados pesados ou acertos de contas com o passado (lembra Clube da Luta? É a mesma galera zoada — a diferença é que aqui não tem só homens, mas gente de todo tipo). O guru cria pequenas rotinas em que os participantes atuam como outros personagens, e pequenas pecinhas de teatro vão se cruzando durante as aulas.

"Lembra Clube da Luta? É a mesma galera zoada - a diferença é que aqui não tem só homens, mas gente de todo tipo"

E aí é que a coisa começa a desandar: em muitos momentos não sabemos se os personagens estão atuando sob novas máscaras ou se trouxeram novos comportamentos para suas vidinhas ou se estamos vendo suas realidades sendo consumidas por outras realidades, mais sinistras. O que percebemos é que alguns mudam de maneira dramática, às vezes trágica - e que o simpático John não passa de um líder de seita. O arte invisível de Drnaso consiste em devassar os mecanismos de um desvio cognitivo, de um viés de crença, de uma loucura coletiva - como o bolsonarismo, por exemplo - através da fragilidade emocional, da forte necessidade de pertença e da entrega irrestrita ao líder. Parece teatro, mas é pura política. Uma aula de narrativa.

Ronaldo Bressane é editor da revista Morel, na newsletter Invenções ​de Morel.

Seu bloco de código dinâmico será exibido aqui... Esta mensagem é exibida porque você não forneceu um filtro e um modelo a ser utilizado.



em HQ