Por Natania. A. da Silva Nogueira
Cecilia Capuana é uma das pioneiras nos quadrinhos underground na Itália, com trabalhos publicados em algumas das principais revistas do país, como a Alter Linus, Comic Art, Totem e Vampirella, além de El Víbora e Totem (Espanha) e Wimmen’s Comics (Estados Unidos). Capuana faz parte de uma onda que revolucionou a produção de quadrinhos nos anos 1970 e 1980, apesar da constante sombra da censura. Sua obra transita entre o surrealismo, o erotismo, a fantasia e a ficção científica, um mix de gêneros e temas que surpreendem ainda hoje pela sua atualidade.
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Nascida na Sicília, em 1948, em uma pequena aldeia à sombra do Monte Etna, começou a pintar ainda na infância. Na década de 1960, mudou-se com a família para Roma. Em 1968, quando era estudante da Academia de Belas Artes de Roma, testemunhou a emergência de movimentos sociais e participou do movimento estudantil, chegando a militar em um grupo marxista-leninista. Em 1973, participou da Becco Rosso, uma revista satírica ligada à nova esquerda italiana.
Em 1976, Capuana foi convidada a participar da vanguardista Ah! Nana, uma revista francesa de história em quadrinhos para público adulto feita por mulheres. A Ah! Nana publicava também outras grandes quadrinistas feministas, como a Chantal Montellier (autora de Bruxas, Minhas Irmãs e de O Processo). Lá, ela publicou histórias que tratavam de temas como divórcio e aborto, que a tornaram conhecida entre os leitores franceses e foram republicadas em outros países da Europa. É o caso Tremblez, Tremblez, les Sorcières sont de retour (Tremam, tremam! As bruxas estão de volta!). Publicada originalmente em 1977, a HQ trata da bruxaria, tanto como uma tradição feminina quanto como uma forma de libertação e empoderamento para as mulheres. Capuana descreve as bruxas como mulheres que, durante o Sabá, se libertam das amarras impostas pelo patriarcado, tomando para si o controle de suas vidas. “Tremam, tremam, as bruxas estão de volta” foi o slogan das feministas gritado nas manifestações em Roma.
A partir de 1978, quando a Ah! Nana deixa de ser publicada por causa de seus problemas com a censura, Capuana passa a publicar na Métal Hurlant. Nessa nova fase, nos anos de 1980, ela se dedica à ficção científica, com HQs mais longas.
É desta fase a HQ “O Poder” (Le Pouvoir), publicada originalmente na Métal Hurlant, em 1979. Uma obra de ficção científica que traz um mundo distópico, com ruínas e mortes por todo lado, no qual um homem utiliza uma máquina para invadir os corpos e mentes das pessoas. Contra esse poder ergue-se uma mulher, Leonore.
Trecho da HQ "O Poder".
Publicada originalmente na revista italiana Alter Linus, em 1981, “Madame” é uma das poucas HQs coloridas da autora. Com narrativa surrealista, forte carga erótica e tons poético-filosóficos, a história brinca com a imaginação do leitor.
As mulheres de Capuana fogem dos padrões estéticos da maior parte dos quadrinhos desenhados por homens. Suas figuras nuas têm corpos fora do padrão e até aspectos demoníacos. Elas festejam a alegria de serem mulheres. Seu feminismo se expressa por meio da presença de mulheres multifacetadas. Seus quadrinhos abordam sobretudo a liberdade. Liberdade sexual, liberdade de escolha, liberdade de pensamento. Em sua crítica ao autoritarismo e ao conservadorismo, ela cria uma ficção que dialoga com a realidade, explorando questões sociais e políticas.
Além de sua contribuição como autora, Capuana também foi responsável por conexão importante entre os quadrinhos e o cinema. Foi ela a responsável pela aproximação entre a editora Humanoïdes Associés, responsável pelas revistas Métal Hurlant e Ah! Nana!, e o cineasta Federico Fellini, um grande leitor de quadrinhos e amigo de Capuana.
Ter no Brasil uma publicação reunindo o trabalho de Cecilia Capuana é um privilégio, uma vez que estas histórias nunca foram reunidas em livro na França ou mesmo na Itália. Por isso, este projeto da editora Veneta é um marco na história dos quadrinhos e, também, um espaço para que sua memória continue viva.
Natania A. da Silva Nogueira é doutora em História pela Universidade Salgado de Oliveira, pesquisadora de História das Histórias em Quadrinhos e membro fundador da Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial.