O Japão do pós-Guerra descrito por Osamu Tezuka no livro Ayako tem aqui e ali algumas semelhanças com o Brasil contemporâneo.
Lá, na época, o governo de ocupação norte-americano aliou-se à escória da direita japonesa para combater os sindicatos e a esquerda socialista. Nacos do Estado foram dados à Yakuza em troca dela fazer o trabalho sujo: atacar sedes de sindicatos, empastelar jornais de esquerda, assassinar sindicalistas, criar falsos atentados que seriam atribuídos aos comunistas...
O próprio Partido Liberal Democrático (Jiminto), hegemônico até hoje, teria sido criado em 1955 com dinheiro da Yakuza e dos Estados Unidos. Um dos fundadores do partido, Nobosuke Kishi, é talvez o símbolo máximo do acordo da Direita, Yakuza e Estados Unidos. Quando os japoneses invadiram a Manchúria, na década de 30, Kishi foi nomeado ministro do desenvolvimento industrial e passou a ter controle total da economia da região. Defensor da Alemanha nazista como modelo para o Japão, implantou um brutal regime de trabalho escravo, enquanto favorecia empresas com as quais tinha ligação, como a Nissan (que, na época, era dirigida por seu tio). Enriqueceu muito com os negócios do Estado e também com o tráfico de ópio, no qual tinha parceria com seus amigos da Yakuza. Depois, quando começou a Segunda Guerra, Kishi ascendeu ainda mais. Tornou-se o braço direito do Primeiro Ministro, o General Tojo. Foi nomeado Ministro das Munições, encarregado produzir o armamento. Para cumprir suas metas, Kishi ordenou que centenas de milhares de coreanos e chineses fossem levados para o Japão, para trabalharem como escravos em fábricas e minas do país. As condições de trabalho eram terríveis, e a maior parte deles não sobreviveu.
Enfim, quando a guerra terminou, Kishi foi preso e só não acabou enforcado como seu protetor General Tojo porque os americanos chegaram à conclusão que ele poderia servir como um bom dirigente pró-americano no Japão. Foi liberado sem sequer ter sido julgado. Assim como seu grande amigo e sócio Yoshio Kodama, um dos mais sanguinários líderes da Yakuza. Kodama passou a acumular a função de líder mafioso com a de agente da CIA.
Mesmo depois que as forças de ocupação deixaram o Japão, a CIA continuou a despejar dinheiro e trabalhar para ajudar a ascensão de Kishi, que se tornou Primeiro Ministro em 1957. Kishi é avô de Shinzo Abe, atual Primeiro Ministro[1]. E a Yakuza existe legalmente no país. No Brasil, o PCC ainda é ilegal.
[1] Shinzo Abe foi assassinado a tiros por Tetsuya Yamagami em 8 de julho de 2022. Por causa de seu feito, Yamagami ficou muito popular, não só no Japão, mas também na China e na Coréia do Sul. Sua família recebeu muitas doações, seu retrato estampou camisetas, seu aniversário passou a ser comemorado nas redes sociais e ele até inspirou cosplayers.