Camilo Rocha fala sobre a cena eletrônica e Bate-Estaca
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Entrevistamos o DJ e jornalista Camilo Rocha, autor de Bate-Estaca, sobre seu processo de pesquisa e escrita e a importância da cena eletrônica brasileira
Por Thiago Borges*
Se hoje a música eletrônica brasileira está nos streamings e festivais do mundo todo – com nomes como Alok, Vintage Culture, entre outros – é porque, no final dos anos 1980, pequenas casas noturnas na cidade de São Paulo abriram espaço para um nova manifestação cultural, que incluía música, moda, comportamento. Uma época em que termos como drag queens, clubbers e raves mal eram entendidos por aqui.
Bate-Estaca – Como DJs, drag queens e clubbers salvaram a noite de São Paulo, do jornalista e DJ Camilo Rocha, resgata essa história, mostrando o surgimento e a consolidação da cena eletrônica na noite paulistana, do fim da década de 1980 até a metade dos anos 2000. De clubes como Nation e Sound Factory, às raves e casas contemporâneas como D-Edge, tudo está documentado no livro, com fotos e depoimentos de frequentadores.
Para contar mais sobre os bastidores da produção, o blog da Veneta conversou com Camilo. Ele conta quais foram as inspirações para começar o projeto e a importância da comunidade LGBQIA+ para a cena, entre outros assuntos.
Como sua carreira no jornalismo o levou a se aproximar da música?
Camilo Rocha: Essa é uma pergunta meio “ovo ou galinha” porque as duas carreiras andaram juntas e sempre se retroalimentaram. Eu comecei a colecionar discos, frequentar lojas especializadas e tocar em festinhas de bairro entre o fim do ensino médio e o primeiro ano da faculdade de jornalismo. Então, foi natural para mim querer escrever sobre música – e com relação à música eletrônica e cultura clubber, mais ainda, pois eu me identificava com esse movimento e percebi que havia uma lacuna na cobertura, já que jornalistas em geral queriam apenas falar sobre rock ou MPB (mesmo o pop era negligenciado). Deixei a discotecagem de lado por alguns anos, mas a crescente imersão nesse universo me fez querer tocar discos para as pessoas dançarem outra vez.
Como surgiu a ideia de escrever um livro sobre a cena eletrônica paulistana dos anos 1990?
CR: Essa é uma ideia que ronda minha mente há muito tempo. É um movimento mal coberto e mal registrado, apesar de tão importante e influente para tanta coisa que veio depois. Personagens, lugares, tendências, pioneirismos, músicas – enfim, uma porção de coisas que são a base de um espectro que vai de Alok a Mamba Negra, de Badsista a Pabllo Vittar. Para além da subcultura, estamos falando também de um pedaço da trajetória de São Paulo, sua noite, sua cultura, um período de efervescência que mudou muita coisa na cidade. É uma história que precisa ser contada.
Qual a importância dessa cena para os jovens da época?
CR: Foi um período de muita transformação e libertação, em que a chave mais depressiva da cultura alternativa dos anos 1980 mudou para algo solar, colorido e diverso. De pessoas experimentando novas identidades, entendendo que podiam ser o que quisessem ser, seja no aspecto visual, da orientação sexual, da profissão ou mesmo de postura de vida. Foi uma cena de diversão intensa, hedonismo desenfreado, mas também de descoberta pessoal pra muita gente – do menino que passou a usar maquiagem ao cara que largou o trabalho no banco para viver de música.
E quais as consequências da cena para a juventude e para a música atual?
CR: A cena eletrônica paulistana abriu muitos caminhos em termos de música, comportamento, moda e diversidade. A visibilidade e afirmação LGBTQIA+, por exemplo, obteve muito da sua projeção e fortalecimento nas pistas de dança de clubes, raves e no ecossistema em torno delas, incluindo os personagens de destaque, as gírias, a mídia especializada, os flyers – e também no fato de inclusão e diversidade serem valores tão caros a esse meio. Sim, estava longe de ser perfeito, havia misoginia, classismo e homofobia em muitas instâncias, o que eu, inclusive, aponto no livro. Mas os avanços foram muitos.
Já que estamos no Mês do Orgulho LGBTQIA+, qual a importância dessa comunidade para a explosão da cena eletrônica?
CR: Basicamente, foram pessoas da comunidade LGBTQIA+ que estavam entre os personagens mais importantes dos primeiros anos da cena clubber, como DJs, promoters, gerentes, hostesses, designers, estilistas. As novidades musicais, a criatividade artística, o senso estético e a sensibilidade que permearam esse cenário vieram em grande parte dessas pessoas. Além disso, uma fatia considerável do público, quando não a maior parte, em clubes como Nation, Sra. Krawitz e Sound Factory, marcos dos primeiros anos da cena clubber paulistana, eram da comunidade LGBTQIA+.
*Thiago Borges é jornalista.
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