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C.L.R. James na mira do Brasil: o internacionalismo negro na luta contra o capital

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Leia o posfácio de Uma História da Revolta Pan-Africana, de C.L.R. James

Por Marcio Farias*

Capa de Uma História da Revolta Pan-Africana, de C.L.R. James.

No início dos anos 2000, a editora da Universidade Federal da Bahia editou o livro O Brasil na Mira do Pan-Africanismo, reunindo duas obras clássicas do pensamento social brasileiro escritas por Abdias do Nascimento: O Genocídio do Negro Brasileiro e Sitiado em Lagos, ambas em sua segunda edição.

Os dois livros, originalmente lançados em fins da década de 1970 e início da década de 1980, representam um momento de salto qualitativo da luta contra o racismo no Brasil, na medida em que denunciam o lastro de exploração e violência ao qual a população negra ainda estava submetida no Brasil. Também expressam um momento de maturidade teórica e política do movimento negro brasileiro, fator que colocará o país posteriormente na vanguarda da luta antirracista internacional. Assim, Abdias, junto com Lélia Gonzalez, Clóvis Moura, Beatriz Nascimento, Hamilton Cardoso, Thereza Santos, Yedo Ferreira, Joel Rufino e tantos outros e outras intelectuais forjam um pensamento original e perspicaz.

Cabeçalho do quarto exemplar do jornal brasileiro A Voz da Raça. Biblioteca Nacional.

No campo do ativismo, a luta contra o racismo ao longo do século XX no país promoveu uma contra-hegemonia que só ganhou espaço amplo em 1978 quando do ressurgimento do movimento negro organizado em pautas políticas. Antes, no início do século, os jornais O Menelick, O Clarim da Al-vorada, entre outros, foram trabalhos de escrita e comunicação engajadas que partiam da experiência imediata de negros e negras brasileiros e propunham mudanças frente à sua situação nos idos dos anos de 1920 e 1930. As experiências de jornais colaborativos da comunidade negra culminaram no surgimento da Frente Negra Brasileira, que chegou a se tornar partido, com um número amplo e significativo de associados. No conteúdo dos jornais que precederam a Frente Negra e mesmo no veículo oficial da entidade, as questões eram debatidas a partir de uma perspectiva integracionista.

Teatro Experimental do Negro ensaiando Sortilégio, com Abdias Nascimento e Léa Garcia, 1957. Arquivo Nacional.

A primeira contestação dessa perspectiva, o Teatro Experimental do Negro (TEN) propunha a reelaboração por meio do teatro, para que negros e negras da classe trabalhadora pudessem representar algo diferente do cotidiano imediato e projetassem outras vivências. Na ponta de lança do TEN, dois eminentes intelectuais: de um lado, Guerreiro Ramos e sua participação como intelectual não só na denúncia do racismo, como também em suas contribuições para o projeto do Brasil desenvolvimentista então em voga. Do outro, Abdias do Nascimento é o sujeito-síntese da integração da luta antirracista brasileira com suas congêneres internacionais.

O Brasil na Mira do Pan-Africanismo permitiu um lastro maior para se pensar o ativismo negro brasileiro, as várias correntes do pan-africanismo, o movimento negritude, o movimento consciência negra sul-africano, a luta pelos direitos civis nos EUA, as guerras por libertação no continente africano e as primeiras expressões de lutas de imigrantes africanos no continente europeu, todas elas referências para o antirracismo brasileiro da segunda metade do XX. E é aqui que o Brasil, ao mirar o pan-africanismo, encontra Cyril Lionel Robert James.

Nascido em Trinidad e Tobago no ano de 1901, James foi jornalista, escritor e teórico de orientação marxista. Autor de vasta produção, escreveu obras antológicas, dentre as quais A History of Pan-African Revolt, originalmente publicada em 1938 e relançada em versão expandida em 1969.

Clássico do pensamento político, neste trabalho, James analisa as condições históricas e contemporâneas da luta internacional antirracista.

II

Neste contexto, o internacionalismo negro, como o próprio James adverte, vivia uma nova condição: a África se libertava politicamente do jugo colonial — ainda que persistisse a dependência econômica — na antessala da reestruturação produtiva do capital, que impôs uma agenda austera e brutal aos que vivem do trabalho. Na diáspora, a emergente classe média negra não suplantava a existência do proletariado negro que vivia com baixos rendimentos. Pior, o fim do ciclo de ouro nos centros dinâmicos remodelava o capitalismo administrado para um estado policial e punitivo. No caso das massas negras que viviam na Inglaterra, França e Estados Unidos essa não era necessariamente uma nova circunstância; ainda assim, os dilemas antigos ganhavam novos vultos. Essa configuração do Estado neoliberal de extração punitivista encontra no Brasil uma realidade já marcada secularmente por superexploração, informalidade, pauperização e conflito.

Por isso, as iniciativas de congregação da luta antirracista internacional permaneceram ativas ao longo das décadas de 1960 e 1970. Os destaques são: o 6º Congresso Pan-Africanista ocorrido em Dar es Sa-laam, na Tânzania, depois oposto pelo 1º Congresso Integral da União de Escritores dos Povos Africanos, realizado em Dakar, no Senegal, em 1976, e o Festival Mundiais de Arte Negra — sobretudo o de 1977, na cidade de Lagos, Nigéria. Neles, tanto Abdias do Nascimento como C.L.R. James tiveram destaque.

James, já um veterano, foi um dos principais articuladores do 6º Congresso Pan-Africanista, o primeiro a ocorrer em território africano. Dos cinco congressos anteriores, o destaque do 5º é evidente na medida em que em 1945, na cidade inglesa de Manchester, reuniram-se intelectuais, sindicalistas e militantes que tiveram papel destacado na luta antirracista em seus territórios. George Parmore, Kwame Nkrumah e C.L.R. James são apenas alguns nomes de vulto que estavam presentes naquela importante e célebre reunião do internacionalismo negro. É digno de nota que em nenhum dos congressos ocorridos entre 1900 e 1945 houve a participação de um delegado brasileiro, exceto no 6º Congresso, que contou com a participação de Abdias.

No autoexílio desde 1964, quando da instalação da ditadura burgo-militar no Brasil, Abdias vivia nos Estado Unidos, onde expandiu suas articulações políticas e há um só tempo absorveu elementos do internacionalismo negro, bem como começou a colocar a luta da população negra brasileira no mapa do pan-africanismo. É assim que tem contato com C.L.R. James. Quando dos eventos preparatórios para o 6º Congresso, ocorridos em Kingston na Jamaica, em 1973, Abdias qualifica a compreensão dos internacionalistas negros sobre como operava o racismo brasileiro e quais foram as estratégias de luta utilizadas pelos africanos e seus descendentes ao longo da história do Brasil. Neste contexto, as teses daquilo que Abdias chamara de Quilombismo — uma proposta de emancipação dos povos negros de todo o mundo a partir da valoriza-ção da experiência africana e da diáspora — começavam a ganhar contornos mais definitivos.

James, por sua vez, atento ao novo cenário que coloca a experiência negra brasileira como uma das mais importantes lutas locais contra o racismo, assevera, junto com Roosevelt Brown, outro importante articulador das etapas preparatórias para o 6º Congresso, a necessidade de reservar um painel de dia inteiro na programação do evento para discutir a situação do negro brasileiro.

No entanto, o 6º Congresso foi tomado pelo espírito de disputa pela hegemonia que encampou uma divisão política reinante no espectro mundial. Frente às tomadas de decisões da cúpula anfitriã do evento — da qual participava o importante Julius Nyerere, que teve papel oscilante quando da organização e depois na realização do evento — e por diferenças políticas, James decide não participar e boicota o Congresso.

Pouco mais de um ano depois, em 1976, James e Abdias participam do Primeiro Congresso Integral da União de Escritores dos Povos Africanos, em Dakar, no Senegal. Abdias novamente se destaca, explicitando ao mundo o racismo à brasileira. James, por sua vez, ao fazer um balanço dos congressos pan-africanistas, reitera uma posição anticolonialista e anti-imperialista, confrontando — em suas palavras — uma elite africana ocidentalizada e burguesa, e apontando como saída uma atenção do internacionalismo negro às lutas do campesinato africano, bastião da continuidade do combate contra a opressão no território africano. Também assinala a importância das lutas feitas pelas frações urbanas do operariado negro, marginalizadas mundo afora. Nesse aspecto, James reivindica a produção da escritora brasileira Carolina Maria de Jesus como um exemplo de que a massa possuía relativa autonomia frente à burocratização dos instrumentos políticos que outrora se afirmavam como vanguarda. O Brasil estava, portanto, na mira do pan-africanista C.L.R. James.

III

C.L.R. James.

Agora, ainda que Abdias tenha sido um dos principais articuladores da luta antirracista brasileira com o internacionalismo negro, não foi ele o único, naquela ocasião, a mirar James. Havia outros desígnios que aproximavam o intelectual caribenho do pensamento negro brasileiro daquele período. O país vivenciava uma ditadura burgo-militar que intensificou o processo de expansão capitalista à custa da superexploração da grande massa trabalhadora — em sua maioria negra — mas que, contraditoriamente, forjou, de um lado, um operariado que entrava numa nova fase de tomada de consciência e, de outro, uma pequena fração de setores medianos, com curso técnico e superior. Nessa franja mediana, ainda que incipiente, emergiu uma classe média negra, com um núcleo de intelligentsia que vivencia, em outra esfera, os desígnios da raça no Brasil: o negro emparedado ao não ser reconhecido como membro de sua nova classe social pelo seu pertencimento racial. Assim, esse grupo se volta à comunidade de origem como reduto e redenção no enfrentamento ao racismo. Havia também a franja negra que atuava em sindicatos e partidos. Esse processo se assemelha àquilo que James analisou em seu clássico Jacobinos Negros sobre as correlações de força das classes em luta quando da Revolução Haitiana: o papel da identificação racial na conformação da solidariedade entre escravizado camponês e intelligentsia urbana formada por profissionais liberais e do funcionalismo público.

Assim, “o Haiti é aqui” brasileiro se moldava sob as seguintes características: a proposta de integração aos moldes anteriores não dava mais conta do projeto antirracista. Se antes a ideia era pensar e projetar um brasileiro negro, e a democracia racial como mola propulsora desse salto, a partir da década de 1960 o movimento negro percebe-se como mais um elo da luta antirracista internacional: negros do mundo, uni-vos! O duplo estatuto de ser negro e africano firmava-se como um poderoso elemento contra-hegemônico capaz de implodir as ambiguidades e contradições da obsessiva ideia de identidade nacional. O encontro das águas afluiu em algo pujante e rico: de um lado vinham as novas tendências modernistas que desembocam na reafirmação de um país miscigenado sem racismo; do outro, a intensa força da luta antirracista internacional. Por aqui, uma ideia de um povo dentro de um território. Ser negro-africano era a nova pauta do movimento negro, e redescobrir a África em nós foi a grande bandeira da versão nacional da luta antirracista internacional.

Abdias do Nascimento.

Esses novos contornos refletiam-se numa produção teórica ampla, consistente e original. Exemplos disso, além dos já mencionados textos de Abdias, são Clóvis Moura e Octavio Ianni, que protagonizam um bom embate interpretativo sobre as conexões da luta negra brasileira com as demais formas de resistência da diáspora africana, em especial a caribenha. Aqui James e o pensamento caribenho — sobretudo o anglófono — têm papel importante, ainda que ambos tenham formulações originais sobre o tema. O Negro: de bom escravo a mau cidadão? (1977), de Moura, e Escravidão e Racismo (1978), de Ianni, são exemplos da absorção crítica feita pela intelectualidade brasileira quando dessa nova quadra histórica. As formulações de James são decisivas para um salto qualitativo na análise sobre cultura e política feita por Clóvis Moura na análise da rebeldia negra.

No campo político, parte da militância negra de esquerda da época, referenciada na Convergência Socialista — organização política de orientação trotskista — também tem papel importante numa aproximação ao pensamento de James no Brasil. Intelectuais e militantes como Hamilton Cardoso e Flávio Carrança, ao terem contato com a produção de Trotski sobre a questão racial, absorvem a discussão sobre tática e estratégia a partir do debate sobre opressão e autodeterminação do povo negro. A aproximação de Trotski ao tema do racismo se deu na batalha de ideias com os demais quadros da Quarta Internacional. Destes debates, um dos mais emblemáticos foi o ocorrido entre James e Trotski, no ano de 1939 no México, que foi farol para muitos dos caminhos seguidos por parte da militância negra brasileira ao longo da década de 1980.

Para estes setores mais radicalizados, a luta antirracista se conectava à luta contra o capital. Neste sentido, um horizonte de visibilidade revolucionário estava na ordem do dia e exigia um programa de transição consequente. O socialismo brasileiro precisava estar a favor da população negra e não o contrário. Assim, James foi um importante interlocutor para essa elaboração teórica e política.

IV

Ilustração da História da Revolta Pan-Africana, por Luciano Feijah

O pujante movimento negro das décadas de 1970 e 1980 viveu um momento de rearticulação ao longo das décadas de 1990 e início dos anos 2000. Sendo uma articulação em formato de frentes, sofreu os desgastes das diferenças políticas internas, como também foi absorvido pelos novos ares do capitalismo mundial: o deserto neoliberal da década de 1990, que jogou uma pá de cal nos sonhos revolucionários.

Como expressão ídeoteórica dessa nova fase do capitalismo, o liberalismo progressista se afirmava como corrente teórica que absorvia os dilemas sociais. Entendido como pensamento pós-moderno, absorvia contraditoriamente pautas civilizatórias históricas e apresentava, aparentemente, soluções de curto prazo para elas: diversidade como horizonte ético e realinhamento do mercado e do Estado como soluções para essas demandas. Fora de moda, o marxismo vivia sua crise política se renovando teoricamente: leitura exegética de Lukács, frankfurtianos, Gramsci, Althusser e toda a sorte de perspectivas e escolas que, desde a década de 1970, ocupavam a agenda de estudos.

No caso brasileiro, desde a Marcha Zumbi (1995), e depois nos eventos preparatórios para a Conferência Internacional de Durban, o Movimento Negro local adota uma postura que o qualifica e faz assumir a vanguarda da luta antirracista internacional. Ao longo da década de 1990, ele forjou quadros técnicos em um conjunto de organizações não governamentais que souberam ler os novos ventos e mover os moinhos que alcançariam agora não só o diagnóstico do racismo, como também formulações concretas de enfrentamento a ele: interpelar o mercado e o Estado em termos de reparação histórica e inclusão.

Neste contexto de reversão da luta revolucionária, contraditoriamente, tivemos pela primeira vez o contato menos fragmentado e mais amplo com a obra de James. No ano 2000, foi publicado no Brasil o clássico Os Jacobinos Negros: Toussaint L’Ouverture e a Revolução de São Domingos (Boitempo). Este texto vem sendo, até o momento, praticamente o único contato mais amplo com a produção de James disponível no Brasil.

V

Ilustração da História da Revolta Pan-Africana, por Luciano Feijah

Aquele Movimento Negro, que emerge diante do fim do ciclo desenvolvimentista brasileiro, coloca suas bandeiras e pautas reparatórias em prá-tica via políticas sociais no contexto do Brasil neodesenvolvimentista das gestões progressistas. A ideia de pertencimento racial como valor identitário positivo se alastrou por um setor mais amplo do que aquele movimento negro de classe média do Brasil de fins da década de 1970. Os motivos são de várias ordens e têm múltiplas determinações (os movimentos culturais e estéticos nas periferias dos grandes centros urbanos que explodem pelo país inteiro nas décadas de 1990 e 2000, por exemplo). No Brasil neodesenvolvimentista, o precariado negro também se afirma positivamente e brada: poder para o povo preto,

empoderado, resistente e que quer representação, por todos os meios necessários!

Tempos depois, o lulismo foi golpeado diante do revés econômico e da quebra do pacto civilizatório das elites e classes médias para com um neodesenvolvimentismo inclusivo. A população negra, nesse contexto, se viu e se vê diante de dilemas. Grande parte de uma plataforma de atuação material e simbólica do movimento negro contemporâneo que consagrou uma nova gramática social e que disputava a narrativa do que é ser brasileiro começa a não dar mais conta das vivências. A frase passa a superar em muito o conteúdo e produzir cisões entre a cotidianidade e seus signos.

Partindo desse chão e suas mediações, entender a dinâmica da moderna luta de classes brasileira e sua dimensão subjetiva, passa, em primeiro lugar, pela validação e verificação daquilo que

permaneceu e daquilo que mudou. No período lulista, para além de uma vanguarda, um amplo setor da classe trabalhadora negra brasileira passa a ter “atitudes” condizentes com o “tornar-se negro”; no entanto, o problema está justamente na condição precária desses sujeitos quanto à sua inserção nas relações sociais de produção.

Se no começo do Brasil neodesenvolvimentista certa plataforma de atuação do Movimento Negro ampliou o leque da disputa hegemônica, so-bretudo quanto ao mito da harmonia social criado pela elite brasileira, agora, diante da crise, ela passa da resistência para a conformação, promovendo apenas uma revolução formal, sem alcançar, porém, o conteúdo reprimido das relações raciais no Brasil contemporâneo.

Do ponto de vista teórico e político, nesse contexto, existem três grandes linhas disputando a forma de compreensão e enfrentamento ao racismo: 1) Liberais progressistas; 2) Afrocentrados; 3) Marxistas.

Ilustração da História da Revolta Pan-Africana, por Luciano Feijah

No primeiro caso, de pensamento teórico difuso, seus membros amparam-se na saída de inclusão no mercado, sistematizado a partir do Black Money e do afroempreendedorismo, ainda que entendam o papel importante do Estado na promoção de políticas públicas; no segundo caso, ainda que também existam distinções e diversidades internas, a unidade se dá na recuperação de certos aspectos do nacionalismo negro que tem em Marcus Garvey uma primeira expressão, mas também alicerçado no pensamento de Cheikh Anta Diop, Molefi Kete Asante, Wade W. Nobles, Katherine Bankole, Clenora Hudson-Weems, entre outros. Eles propõem uma ruptura total com padrões civilizatórios europeus, rompimento com as formas tradicionais da política entendida como forma “branca” de luta e apontam para as tradições africanas como potência de aglutinação e destino para os povos negros do mundo. No terceiro caso, temos os marxistas, que reivindicam não só a tradição clássica do marxismo, como apontam para as negligências teóricas dos clássicos, os limites do pensamento que renovou conservando, bem como buscam a recuperação do marxismo negro.

Os liberais progressistas têm conseguido colocar o debate sobre o racismo na esfera pública, mas a falta de radicalidade da sua postura impõe um circuito fechado para o conjunto da população negra que vivencia a díade negro drama ou empoderamento, o primeiro como tragédia e o segundo como farsa. Os afrocentrados captam o sentido da história em relação ao racismo, mas a falta de uma síntese capaz de forjar uma tática e estratégia mais consequentes lhes facultam a condição de guardiões da memória e de fiscais do racismo. Aos marxistas caberia tal projeto, mas como força menor nesse diapasão, seu papel de terceira via tem imposto a este setor uma necessidade de recuperação em muitos casos proselitista do legado marxiano e marxista na luta contra o racismo.

Eis que, agora, o Brasil pode mirar James: autor de erudição rara, não cede à vulgarização do politicismo, nem ao pedantismo teórico. Aposta na experiência concreta da luta negra como uma saída, ainda que indique a necessidade de que ela se vire contra o capitalismo. Com este lançamento, o capítulo do Brasil na luta pan-africana poderá enfim ser escrito por uma geração que precisará dar respostas consequentes aos desígnios do seu tempo.

*Marcio Farias é mestre e doutor em psicologia social pela PUC de São Paulo. É autor do livro Clovis Moura e o Brasil: um Ensaio Crítico (Dandara Editora, 2021) e organizador do livro Violência e Sociedade: Racismo como Estrutura da Sociedade e da Subjetividade do Povo Brasileiro (Escuta Editora, 2018).

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