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Suas preocupações com o poder foram atualizadas

Leia o prefácio à edição brasileira do livro O Monopólio da Mídia – edição definitiva, de Ben H. Bagdikian, primeiro lançamento da coleção Prensa, sobre jornalismo e comunicação

Rogério Christofoletti*

 

Trinta e cinco anos separam o surgimento de The Media Monopoly desta edição que chega agora aos brasileiros. Quando o livro foi lançado em 1983, o ex-ator Ronald Reagan era o poderoso presidente dos Estados Unidos, Michael Jackson arrebatava o mundo com o álbum mais vendido da história (Thriller) e O Retorno de Jedi lotava salas de cinema em toda a parte. O Brasil era uma decadente ditadura militar, Menina Veneno era a música mais tocada nas rádios e Nelson Piquet conquistava o bicampeonato mundial de Fórmula 1. Tanto lá quanto cá, o setor de comunicações era concentrado em poucas mãos e as máquinas de mídia já funcionavam pra valer, criando sucessos comerciais, difundindo ideias e fabricando consensos.

Agora que Monopólio da Mídia: Edição Definitiva desembarca nas livrarias brasileiras, quem ocupa a Casa Branca é um sujeito tão performático quanto Reagan, e o Brasil, por sua vez, não está propriamente numa democracia. Não temos mais o Rei do Pop e as corridas de domingo são menos importantes na vida nacional. Em compensação, a saga de Star Wars ainda não terminou e a concentração na mídia só aumentou. Há um oceano entre os dois momentos, mas o poeta já disse que o mesmo mar que separa, une. Isto é, passado tanto tempo, o livro de Ben H. Bagdikian é tremendamente atual, assustadoramente esclarecedor e altamente necessário e oportuno. Não apenas para os estadunidenses.

The Media Monopoly é um dos livros sobre jornalismo e política mais citados, e nos Estados Unidos foi usado como livro-texto por muitas escolas. Ao lado de Manufacturing Consent, de Noam Chomsky e Edward Herman, ocupa um lugar destacado no panteão acadêmico da crítica social e da mídia. Essas condições já credenciariam o livro como “clássico”. Como tal, foi adotado em classes por professores e alunos, e é uma das referências no assunto. Mas seu valor e permanência vão além.

The Media Monopoly teve seis edições até se tornar The New Media Monopoly em 2004, obra reescrita por completo, atualizada e acrescida de sete capítulos inéditos. Atento aos acontecimentos, Ben Bagdikian já estava aflito com as mudanças tectônicas que afetavam o mercado das comunicações e a vida contemporânea a partir da expansão da internet e da intensa apropriação cultural dessa tecnologia. Ele tinha 84 anos e já havia visto muita coisa na vida: sobreviveu ao genocídio dos armênios, iniciado na Primeira Guerra, lutou ao lado dos americanos na Segunda, cobriu os principais fatos do século nos Estados Unidos e ganhou os maiores prêmios como jornalista. Assistiu ao vai-e-vem de republicanos e democratas, testemunhou a hipertrofia dos sistemas midiáticos e criticou seus indesejáveis efeitos na democracia local. Viveria até os 96 anos, morrendo em março de 2016, pouco antes de Donald Trump se lançar à aventura pela cadeira mais importante do planeta. Sorte!

Uma compacta ideia sustenta os escritos de Bagdikian: o poder da mídia é um poder político. Amplamente difundida e banalizada em alguma medida, essa ideia pavimenta uma ponte entre dois quadrantes determinantes da experiência social contemporânea: aquele que determina os assuntos importantes a circular nos grupos e aquele que resulta nas tomadas de decisão e nos rumos da comunidade. Bagdikian se exaspera com o aumento do conservadorismo nas últimas décadas e com a capitulação de jornalistas e empresas do setor diante das pressões comerciais, partidárias e corporativas. “A mídia de massa teve um papel central nessa guinada à direita”, dispara o autor.

Combinados, dois fatores colocam a democracia norte-americana em uma situação delicada, argumenta Bagdikian. A concentração no mercado de mídia aumentou muito nos últimos tempos e a publicidade passou a determinar com mais veemência os conteúdos dos meios. Assim, as opções de informação foram drasticamente reduzidas e o processo de comunicação voltou-se cada vez mais para o consumismo. O resultado é que as mensagens que circulam dizem menos respeito à política, às tendências sociais e aos movimentos dos grupos, e tratam mais dos produtos, lançamentos do momento, da moda e das mercadorias. Na síntese de um teórico periférico, o geógrafo Milton Santos, o cidadão imperfeito deu lugar ao consumidor mais-que-perfeito.

Mas não só. A concentração do mercado de mídia leva à padronização dos conteúdos (informativos e de entretenimento), criando uma sensação de homogeneidade de ideias e fatos, contribuindo para forjar realidades. Alguns acontecimentos circulam com muita facilidade e frequência nos meios de comunicação, e tal onipresença reforça o sentimento de importância daquele fato. Assim, expostos a quilômetros de textos em jornais, revistas e sites, e a horas de programação massiva na TV, somos levados a acreditar que o figurino de Kim Kardashian numa badalada festa é a “polêmica” mais importante dos nossos dias, e que aquela decisão é uma preocupação legítima. A ubiquidade alimenta uma atmosfera artificial de relevância e faz emergir colunas espessas de fumaça que envolvem e cegam.

Se em 1990 The Media Monopoly denunciava que as 50 maiores empresas de mídia dos Estados Unidos compunham um “ministério privado da comunicação”, 24 anos depois, Ben H. Bagdikian restringiu seu olhar agudo aos cinco conglomerados reinantes, que chamou de Big Five: Time-Warner, Disney, Bertelsman, Viacom, News Corporation. Seus ativos tangíveis e fluxos de caixa, a capilaridade de seus negócios dentro e fora do país, o exército de jornalistas, artistas e realizadores capazes de moldar o imaginário popular, as relações com os partidos políticos e com as elites locais, e o domínio tecnológico fazem desses grupos de mídia players decisivos no jogo político nacional. O autor compara: nenhum ditador ou déspota na história teve tanto poder quanto os comandantes desses conglomerados!

Atuando como um sistema sagaz e onipresente, os conglomerados movem seus numerosos e musculosos tentáculos para proteger o poder corporativo, o status quo e a ordem conveniente. Embora disputem fatias de mercado, os grupos não se digladiam pra valer, pois a morte de um deles pode contrariar a sinergia interna que alimentam. Se por um lado são concorrentes em alguns segmentos, são sócios e parceiros em outros produtos ou serviços. Com isso, não apenas se autopreservam como tentam impedir que outsiders se apresentem e coloquem em risco as hegemonias estabelecidas. Quem sai perdendo com isso? Os inovadores, que não encontram terreno receptivo para oferecer alternativas e soluções; o público em geral, que vê diminuída a pluralidade e a diversidade de opções de informação e entretenimento. Não é pouco. Basta inverter a questão: Quem sai ganhando? Apenas quem está no poder, quem tem capacidade de exercê-lo.

Diante das Big Five – ou do punhado de famílias que comandam a mídia brasileira -, o leitor pode enxergar a existência de um oligopólio, isto é, o domínio de um mercado por uns poucos players. O livro de Bagdikian permite pensar que os conglomerados trabalham de forma associada e coordenada, e operam para impor um monopólio ao mesmo tempo sedutor e perverso. Quem não se rende ao Padrão Globo de Qualidade, por exemplo? Quem não reconhece a importância da profissionalização das redações ou a necessidade de disponibilizar sinais de áudio e vídeo com nitidez e estabilidade? Para o autor, temos um monopólio quando um dos grupos determina os contornos de um mercado, definindo preços, condições de oferta ou regras de funcionamento. Os conglomerados fazem isso e atuam na lógica do compadrio.

O leitor vai notar que Bagdikian é um implacável analista de mídia que não perde a elegância e o equilíbrio. Suas leituras sobre a realidade estadunidense e sobre o ecossistema midiático não são meramente impressionistas. O autor lastreia o diagnóstico com dados nem sempre legíveis pelo grande público. Critica as ofensivas militares do seu país e as coberturas condescendentes, denuncia as manipulações resultantes das parcerias entre governos e mídia, e alerta para certas renúncias jornalísticas em episódios estratégicos, como o 11 de setembro de 2001. O autor lamenta as oportunidades perdidas nos momentos em que a mídia entregou os pontos, não se colocando como uma voz dissonante e, portanto, fiscalizadora dos demais poderes.

Ben Bagdikian é um observador privilegiado da mídia, mas, sobretudo, um repórter, pelo que se colhe de seu texto fluido, direto, recheado de informações e de inadiável compromisso com o presente. Esta característica poderia condenar seu livro a ser perecível e datado, e não é o que temos nas páginas a seguir.

É verdade que a visão do autor é limitada quando o assunto é internet. Ele até reserva um capítulo para tratar disso e fareja desdobramentos desagradáveis para a privacidade, por exemplo. Mas em 2004, quando reescrevia The Monopoly Media, a Google estava abrindo seu capital em bolsa e o Facebook tinha poucos meses de funcionamento. Twitter e YouTube só surgiriam nos anos seguintes. Nessa época, o império das redes sociais, a adesão generalizada a estratégias de auto-exposição pública, a conformação de bolhas sociais, a intensificação da polarização política e a explosão dos discursos de ódio não estavam no radar de ninguém. Notícias falsas e pós-verdade também. Se Bagdikian tivesse os algoritmos preditivos que algumas dessas gigantes da internet têm hoje, poderia arriscar a detalhar mais os cenários, mas não era o caso.

O leitor perceberá, no entanto, que os alertas feitos anteriormente valem para hoje e para o futuro próximo, já que os conglomerados de tecnologia seguem a mesma cartilhas dos grupos de mídia convencional. Repetem a lógica da concentração de mercado, a propriedade cruzada, a integração vertical, o domínio da infraestrutura ao mesmo tempo em que ofertam conteúdo, muitas vezes esmagando concorrentes ou simplesmente comprando suas operações.

Num levantamento dos 50 maiores grupos de mídia do mundo, o Institute of Media and Communications Policy detetou que o Google era a terceira força do planeta em 2012. A lista trazia empresas com “foco estratégico na criação de conteúdo para propriedades impressas, de televisão, cinema e online”, o que incluía gigantes da tecnologia. Em 2017, o mesmo estudo mostrava a Alfabet – dona da Google – em primeiro lugar, com receitas de 82 bilhões de euros, mais do que Time-Warner e Disney, duas das Big Five, juntas! Facebook, por sua vez, ocupava o nono posto da lista, com receitas superiores ao da Viacom, por exemplo…

Enquanto escrevia estas linhas, a Disney comprou parte da 21st Century Fox, que antes fazia parte de outro conglomerado, a News Corporation. A transação anunciada foi de US$ 52,4 bilhões, superior ao PIB do Uruguai, do Líbano ou Bulgária. Isso mesmo! Um único negócio entre os gigantes da mídia movimenta mais dinheiro que países inteiros… Tubarões maiores engolem tubarões menores.

A dança dos números ou das empresas que se revezam no topo do pódio é o que menos importa. Grupos da velha mídia ou gigantes da tecnologia operam da mesma maneira: dominam segmentos inteiros, funcionam como monopólios regionais e drenam as energias dos concorrentes mais acomodados ou indispostos a mudar suas práticas. No fundo, o recado de Ben Bagdikian precisa ser repetido : a concentração é uma ideia lesiva ao conceito de livre mercado. O monopólio asfixia a ideia de liberdade de escolha, de pluralismo e diversidade.

No Brasil, a situação é igualmente dramática. Em 2017, a pesquisa Media Ownership Monitor mostrou que “cinco grupos ou seus proprietários individuais concentram mais da metade dos maiores veículos de comunicação do país”, e a estrutura de comando é majoritariamente familiar. Poucos clãs dominam as comunicações num país que tem dimensões continentais e a nona economia do planeta. Além disso, a mídia local tem forte presença religiosa, políticos são proprietários ou sócios de empresas do ramo, e o marco legal é antigo e permissivo. Combinados, esses fatores fazem despencar as possibilidades de pluralidade dos meios de comunicação no país. Na pesquisa, entre os dez indicadores de risco ao pluralismo, o Brasil tem a pior avaliação em seis deles: concentração da audiência, da propriedade horizontal, da propriedade cruzada, falta de transparência no controle da mídia, e controles políticos do financiamento dos meios e das agências de notícias.

Outra pesquisa de 2017 mostra como a concentração é visível geograficamente. Dados preliminares do Atlas da Notícia, produzido pelo Projor/Observatório da Imprensa e Volt Data, mostraram que 4500 municípios brasileiros não contam com jornais ou sites locais, o que deixa 35% da população nacional sem notícias sobre suas realidades específicas. Nesses “desertos de notícias” vivem 70 milhões de brasileiros, e é como se a França inteira não tivesse diários ou portais noticiosos em todo o seu território!

Essas informações compõem uma equação de resolução bastante complexa, e intensificam a urgência dos debates sobre a democratização dos meios de comunicação. Essa agenda passa necessariamente pela revisão das leis do setor, pelo fortalecimento dos órgãos reguladores, pelo apoio ao sistema público de comunicação e às iniciativas comunitárias, e por uma efetiva educação para o consumo crítico da mídia. Tais ações causam horror e ranger de dentes entre os controladores da mídia brasileira, que se arrepiam, denunciando aos quatro ventos os perigos da censura estatal ou coisa do tipo. Essa agenda não é uma novidade para os ativistas pela democratização da mídia, pois ela vem sendo amplamente discutida nas últimas três décadas e teve seu auge de debates na Conferência Nacional das Comunicações em 2009. À época, mais de seiscentas teses foram aprovadas, mas nenhum governo – nem mesmo os de centro-esquerda – foi capaz de implementá-las. O Brasil perdeu uma bela janela de oportunidades…

São poucas as nossas peças no tabuleiro do mercado das mídias e os movimentos são bem limitados. A própria edição de The Media Monopoly mostra como o cenário é concentrado, resiste às críticas e busca a autopreservação. Em 1983, Ben H. Bagdikian apresentou os originais aos publishers da Simon & Schuster, que recusaram a obra porque os conglomerados eram apresentados de forma pouco positiva, o que poderia afetar até mesmo a editora, pertencente a um gigante do ramo. No Brasil, o livro teve uma única edição antes desta: em 1993 pela Scritta Editorial, publicadora de autores mais progressistas e críticos e não vinculada diretamente a grandes grupos midiáticos nacionais. Desde então o público nacional ficou privado de versões mais atuais da obra.

Monopólio da Mídia: Edição Definitiva sai agora pela Veneta, e o leitor mais atento poderá identificar no site da editora uma esclarecedora profissão de fé: “Essa editora tem como responsabilidade social desafiar as convenções, os consensos manufaturados, as autoridades em geral e, se necessário, seus leitores”. Resumo da ópera: as páginas a seguir dependem de generosas doses de coragem. De quem escreveu, editou ou decidiu ler. Ben Bagdikian se queixou da mídia domesticada dos Estados Unidos, mas quantos livros semelhantes a este você vê na bibliografia brasileira? Quantas vozes graves como a dele se erguem por aqui? Poucas, admita. Razão pela qual conhecer a realidade do Império é também buscar motivos e munição para resistir em nossas trincheiras nacionais…

 

*Rogério Christofoletti é professor do Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisador do CNPq.

 

Leia também: The Post – a versão do jornalista, por Rogério de Campos

 

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