Fernando de Almeida: “Eu sou um tanto urso também”
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Por Seham Furlan
Fernando de Almeida é ilustrador e designer gráfico, já premiado no Salão do Humor de Ribeirão Preto. Ainda criança, gostava de desenhar e ler gibis. Almeida tem mais de 10 livros infantis publicados.
Em 2022, assina mais um livro ao lado de Renata Bueno: Tem um Urso na Minha Escola, pelo selo infantojuvenil da Veneta. Desajeitado e um tanto esquisito, João chama a atenção dos colegas na escola em que estuda. Ele não gosta das mesmas coisas que os outros alunos e não se comporta como a maioria das crianças. Costuma caçar formigas e desenhar aranhas no teto, enquanto os outros copiam a lição da lousa. Ele é diferente, mas quem não é?
Confira a entrevista completa com Fernando de Almeida a seguir.
VENETA: Como surgiu a ideia do livro?
FERNANDO DE ALMEIDA: A Renata me enviou o texto praticamente como o conhecemos hoje. Fiquei com o texto na cabeça durante algum tempo antes de começar a trabalhar… fiquei com ele na cabeça e no coração, imaginando e sentindo como essa história poderia se transformar num livro. Conversando com a Renata, decidimos que o Urso, por ser muito grande, não caberia no livro. Ele não seria mostrado de corpo inteiro em nenhum momento (foi feita uma exceção, na verdade) simplesmente por ele ser muito grande pra esse contexto. Isso pode ser visto na capa, onde quem está sentado atrás do João na sala de aula, não vê nada além de uma parede de pelos e a mochila pendurada no encosto da cadeira. Uma coisa que me tocou muito no texto, foi a aversão e o fascínio que o Urso, “o diferente”, causa no nosso protagonista-narrador e como esses sentimentos se alternam e se modificam ao longo da história, sempre permeados pela curiosidade.
V.: Você conheceu algum “urso” na sua infância? Como ele era?
F. A.: Conheci alguns. Alguns me assustaram e perdi a chance de conhecer, infelizmente… de outros eu consegui me aproximar. Alguns são meus melhores amigos até hoje. Eu sou um tanto urso, também.
V.: Você já publicou seis livros com a Renata. Como é o processo de trabalho de vocês? E como foi especificamente no caso do “Urso”?
F. A.: Sim, esse é o nosso sétimo livro juntos, mas o segundo sendo só meu e dela. Os outros tiveram sua autoria dividida com nossa querida e talentosa amiga, Mariana Zanetti.
O processo foi parecido com o livro anterior, o Monstro que é Monstro. A Rê me enviou o texto dando liberdade para que eu me apropriasse dele e contasse a nossa versão da história. Ao longo do processo, trocamos várias ideias e mudei alguns desenhos que não tinham ficado tão legais, que não estavam contando a história do melhor jeito. É sempre enriquecedor fazer as coisas com outras pessoas.
Uma coisa que foi diferente do nosso projeto anterior foi o fato de fazê-lo totalmente digital.
V.: Você gostava de ler quando criança? De quais livros/autores se lembra?
F. A.: Sim, muito. Principalmente gibis. Aprendi a ler meio que sozinho de tanta vontade que eu tinha de ler gibis, principalmente Maurício de Souza e Disney. Minha mãe lia pra mim e pro meu irmão, mas ela tinha outras coisas pra fazer e eu acabei tendo que me virar pra saber o que os personagens estavam dizendo nos balões. Com sete anos, na Alemanha, meu pai me apresentou ao Asterix e a partir daí, foi um caminho sem volta. Leio quadrinhos até hoje. Então, meus primeiros autores por escolha própria são René Goscinny e Albert Uderzo. Também adorava livros de animais com fotos ou ilustrações realistas… Li muita enciclopédia Barsa, hehe. E lia o que a escola pedia… Coleção Vaga-Lume, Fernando Sabino, Ziraldo…
V.: O que mais você gostava de fazer quando criança?
F. A.: Gostava de várias coisas mais ou menos na mesma intensidade: Gibis, Playmobil, boneco Falcon, desenhar, comer, piscina, e assistir TV, que era uma coisa meio proibida.
V.: E quando começou a gostar de desenhar?
F. A.: Acho que todo mundo começa a desenhar desde sempre, né? É só dar um lápis ou coisa que o valha pra uma criança que ela não precisará nem de papel. Ela irá desenhar. Mas eu lembro da primeira vez que desenhei com o propósito de possuir alguma coisa, de, através do desenho, tomar posse daquela coisa. Essa coisa, nesse caso, foi o Dom Quixote (ou São Jorge… agora fiquei na dúvida…) de um episódio do Sítio do Pica-Pau Amarelo que foi ao ar entre 1977-78… eu devia ter uns 3 ou 4 anos. Eu desenhei o cavaleiro e, de alguma forma, me apossei dele. Desenhei o cavalo, o cavaleiro sobre o cavalo, dragões (acho que era São Jorge, então)… lembro de ficar desenhando muito, uma folha de sulfite atrás da outra, com canetas esferográficas. E não parei mais.
V.: Você já fez histórias em quadrinhos também… Como era a sua relação com as HQs na infância e como é atualmente? Mudou alguma coisa?
F. A.: Sim, já fiz algumas. O meu problema com as HQs é que eu sou muito preguiçoso, hehe… Quadrinhos dão muuuuito trabalho pra fazer. É muita coisa pra pensar e desenhar… tem que pensar nos personagens, nos cenários, nos enquadramentos… não consigo, hehe. Mas adoro quadrinhos. Nunca parei de lê-los. O que mudou foi o tipo de quadrinhos que me interessam em determinado momento. Mas até hoje é um prazer indizível tirar o plástico de um álbum e sentir aquele cheirinho de tinta característico. Quando o quadrinho é bom, então… tanto melhor.
V.: O que podemos aprender com o urso João?
F. A.: Acho que temos tanto a aprender com o João como com o narrador. Com o João, aprendemos a ligar menos para o que as pessoas pensam da gente, a sermos mais autênticos. Com o narrador, aprendemos a olhar o “diferente” de forma mais amorosa. Nós todos somos um pouco ursos e um pouco narradores dependendo da situação, mas estamos todos na mesma viagem. Vamos todos pegar mais leve conosco e com os amiguinhos! Que a gente consiga ser mais feliz.