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Um dia de Polícia

Um conto inédito de Roger Franchini *

 

— Senhores, boa tarde. Até o presente momento não apareceu nenhum flagrante aqui no DP para bater a meta dessa semana. Se não tivermos dois flagrantes por equipe até às dezessete horas, estão todos convocados para a operação na madrugada de sábado para domingo, ok? Então, por gentileza, vamos nos empenhar um pouquinho mais. Estou aqui no aguardo dos flagrantes. Fiquem com Deus.

O delegado mandou a mensagem para o grupo de WhatsApp dos investigadores da delegacia; a cobrança ostensiva e a ansiedade na voz revelavam que sua delegacia não estava conseguindo cumprir a meta imposta pela Secretaria de Segurança.

Na viatura, dos três policiais que a ocupavam, apenas Cidim não se controlou:

— Manda esse delegado tomar no olho do cu dele. — Esbravejou com sua voz de tempestade, embebecida pelo pigarro acumulado ao longo de anos de tabagismo. — Tá com medo da pressão do secretário? De perder a função? Manda esse viado ir fabricar os flagrantes que vão segurar o cargo dele. Em trinta anos de polícia nunca vi uma porra dessa… e o pior é que tem polícia que passa um pano para esses Majura. — E ajeitou o barrigão embaixo do volante.

— Qualquer bostinha de tráfico já basta, Cidim. — Fábio, no banco do carona, tentou acalmar os ânimos do colega. — No final é tudo número mesmo.

O sentimento de diplomacia que afetava Fábio não foi despertado pela preocupação com a pressão sanguínea do parceiro, cuja veia do pescoço já desenhava uma serpente vermelha em sua pele. Embora fosse evidente uma amizade entre aqueles colegas de profissão, suficiente para rirem juntos de uma piada cotidiana, Fábio considerou que não valeria a pena passar um dia inteiro ao lado de um antigão com raiva do mundo e sem vontade para o serviço. Na falta de opções para novos companheiros de investigação, restava-lhe abrandar a ira do único policial que não se opôs a trabalhar consigo.

Por sua vez, Cidim, apesar de contar com orgulho muitas histórias de sua carreira que entendia vitoriosa, as passagens pela Corregedoria fizeram dele um funcionário marcado pela fama de zica, um homem que só atraía confusão, incapaz de atravessar seis meses sem assinar um B.O. Aos poucos, sem perceber, e mesmo sem nunca ter sido preso, foi sendo isolado pelos colegas nas delegacias onde trabalhava, como se tivesse uma mancha de lepra escorrendo em sua testa.

Fábio, recrutinha afoito, não era o investigador com quem Cidim gostaria de trabalhar, mas era o único em toda a Cidade com quem ainda não tivera desavenças.

— Juro pra você, Fábio. Eu não vou fazer nada, absolutamente nada pra esse delegado. Nada de porra nenhuma! Se ele quiser flagrantes para encher estatísticas, que tire a arma da gaveta e corra atrás de vagabundo… Era só o que me faltava. Olha isso aqui — segurou o distintivo pendurado no pescoço por uma grossa corrente prateada — o que tá escrito aqui? É investigador ou PM?

— Agente de telecomunicações? — Suzaninha, a agente de telecomunicações do distrito sentada no canto do banco de trás, finalmente interferiu na conversa. O timbre agudo de soprano calou a ascendência do temperamento explosivo de Cidim. Certamente fora tocada pelo mesmo receio de Fábio. Não riu, e por não saberem se ela estava brincando ou desejando ofender, nenhum dos investigadores se atreveu a contestá-la.

— Suzaninha, meu diamante negro. Com todo o respeito. Mas o lugar de agente de telecomunicações não é aqui na rua.

— Fala isso pro teu delegado, Cidim. — as mãozinhas da mulher ajeitaram a arma no seu colo. Passou a fitar a cidade pela janela do carro como se quisesse evitar o prolongamento da conversa.

Um longo silêncio pacificou o discurso dos três policiais.

De alguma maneira os dois policiais sabiam que Suzaninha estava com a razão. Desde que a Secretaria de Segurança impôs uma meta de prisão em flagrantes aos investigadores, o distrito onde os três policiais trabalhavam nunca havia atingido um terço do índice determinado. Por causa disso, o delegado já tinha dado como definitiva sua transferência para um DP de nível inferior. Parecia que, por se sentir sabotado pela própria equipe, queria punir a todos antes de ser removido e desaparecer na burocracia da polícia.

Entre os tiras, a insatisfação era evidente. Sentiam-se desprezados, preteridos naquilo que melhor sabiam fazer: solucionar crimes. Obrigá-los a caçar flagrantes pela cidade, como queria a Secretaria, era diminuí-los a uma categoria inferior aos praças da PM.

Os soldados do patrulhamento, pelo menos, eram cobrados para evitar que um crime acontecesse. Para desespero dos Policiais Civis, ficou estabelecido que os Policiais Militares seriam premiados com bônus salariais quando, ao final do mês, a curva do gráfico de quantidade de flagrantes ou ocorrência de crimes sem autoria apontasse para baixo, mesmo em frações decimais.

Já na Polícia Civil, ao contrário disso, os Delegados passaram a rezar para Deus fazer com que o número de delitos em sua região aumentasse significativamente, pois isso facilitaria o serviço da tiragem para efetuar prisões em flagrantes. Três meses sem conseguir o índice cobrado resultava no bonde do delegado para qualquer Distrito fedorento da periferia de São Paulo.

No cruzamento de uma delgada rua, depararam-se com uma viatura grande da PM vindo em sentido contrário. Aproximaram-se com respeito e poucas, mas duras, trocas de olhares entre seus ocupantes por entre as janelas abertas. Após uma distância segura, Fábio perguntou se aqueles soldados sabiam que estavam passando ao lado de investigadores, já que o carro onde estavam tinha os vidros enegrecidos por película, tornando-os suspeitos em potencial até mesmo para um novato como ele.

— Sempre sabem. E também sabem que estamos aqui para fazer o trabalho deles. Não percebeu que estavam rindo?

— Não sei por que o doutor insiste nessa operação caça-flagrantes. Todo mundo sabe que ele vai ser transferido, não precisava ficar torrando nossa paciência…Coitada da Suzaninha. Tirar ela da Sala de Meios assim, depois de tantos anos, para fazer patrulhamento que nem os gambé da PM.

— Faltam seis meses para eu me aposentar, Fábio. Pelo menos vou poder contar para meus netos qual é a sensação de dar uma cana.

— Você nunca deu uma cana, Suzaninha? — interpelou Cidim com receio da resposta.

— Hum hum… — balançou o queixo negativamente.

Pelo retrovisor, o aspecto tísico de Suzaninha ganhou relevância. Cidim se deu conta que estava trabalhando com uma pequena mulher que portava uma PT45 maior do que a cabeça dela, e que nunca tinha prendido ninguém na vida. Fábio, disposto a não deixar que a policial percebesse o constrangimento causado no amigo, foi rápido:

— Quantos netos você tem, Suzaninha?

— Nenhum. E você? Quantas vagabundos já prendeu?

— Nenhum também.

Ambos sorriram em cumplicidade. Cidim parou o carro bruscamente.

Estavam em algum lugar da Zona Leste. Somente o motorista sabia o endereço exato; uma via estreita de terra batida e com pequenos sobrados de tijolos aparentes escondidos atrás de portões gigantes. Era fácil deduzir que se tratava de uma vizinhança onde o crime não era exceção.

— Olha só, vamos fazer assim. — Cidim tentou ser didático. — A gente não vai arriscar nosso pescoço com um filho da puta como esse delegado, tudo bem? Todo mundo aqui tem família, e quem não tiver trate de arrumar uma. Eu não tô a fim de ficar rodando por aí atrás de cracudo que rouba playboy em semáforo. Tô pouco fodendo pro playboy do semáforo. Quero que ele tome no rabo. Já que não deixam a gente fazer nosso trabalho e derrubar um serviço bom, não vale a pena sair do DP.

O velho policial não estava errado. De que adiantaria correr atrás de flagrante para aquele delegado, se a chefia iria mudar em poucos dias? Fábio resignou-se, mas estava preocupado com a fama de preguiçoso que poderia impingir em sua reputação:

— Mas não podemos voltar de mãos vazias.

— Por mim nem voltaria. Vocês podem me deixar em casa, por favor?

— Depois, Suzaninha. É o seguinte: vamos parar naquele boteco ali. Conheço o lugar porque foi ali, uma vez, que eu me encontrei com um ganso pra acertar umas contas. É tranquilo, só cachaceiro pau d’água, mas que tem casa e família. A gente entra sem barbarizar, sem esculachar ninguém. Damos uma geral no pessoal, pedimos documentos e saímos de boa. Pra dizer que não fizemos nada o dia todo…será nosso presente de despedida pro doutor.

Parecia a menos pior das alternativas colocadas na frente de Fábio e Suzaninha. Para o investigador, que já tinha feito esse tipo de abordagem diversas outras vezes, nada de novo ou arriscado. Bastava seguir os passos do experiente parceiro e encerrar o dia. Depois da remoção do delegado, quem sabe, teria mais chance de conseguir um serviço decente com a nova equipe que aportaria no DP. Suzaninha queria era ter ficado na viatura, não precisar sacar sua arma e esperar sua aposentadoria chegar.

Os seis homens que bebiam no bar não se deram conta que o Pálio de vidros escuros que passara por duas vezes na porta poderia ser uma viatura policial. O sol estava a pino no céu, e aquelas pessoas não se importavam com o horário. Entre aposentados e desempregados, todos vertiam tranquilos o líquido que ardia na garganta, certos de que o dia nada de novo lhes traria.

Foi então que o Pálio verde estacionou em cima da calçada, assustando os três homens esparramados em banquinhos ao redor de uma mesa. Um deles ameaçou levantar, mas foi impedido pelo temor imposto pela robusta figura de Cidim desembarcando:

— Polícia! Levanta a mão todo mundo!

Logo depois, Fábio apareceu corroborando o comando, tentando ser tão mais presente quanto o parceiro. A força no olhar da dupla foi o suficiente para convencer a todos que aquilo era uma abordagem de rotina. O distintivo que pendia amarrado no pescoço de ambos reforçava o respeito. Nem repararam na mirrada figura de uma mulher que acompanhava os policiais, logo atrás da viatura.

— Coloquem a mão na parede, vamos! Os três aí de dentro, podem sair com as mãos na cabeça. Aqui é a Polícia Civil. Não tem cachorrada de PM na parada. Então, se se comportarem como homens, serão tratados como homens, entenderam?

Um dos bêbados abaixou a cabeça e respondeu “sim senhor”. Enfileirados com a cara virada para o muro, não se opunham às perguntas que lhes eram feitas pelos policiais:

— Suzaninha, confere um R.G. pra mim.

Mesmo sem combinar, Cidim encontrou uma função que não desagradou Suzaninha. Com o caneco do rádio na mão, a policial fazia contato com o CEPOL, pesquisando a identidade dos averiguados.

Fábio estava satisfeito com o trabalho. Os bêbados estavam tranquilos e não deram novidades.

— Tô procurado, senhor.

Puta merda! — Fábio pensou alto, certificando-se de olhar para os lados para ter a certeza de que ninguém tinha ouvido seu drama. Na dúvida, fingiu uma careta reprovando o hálito do homem que exalava álcool açucarado.

— Qual teu B.O.?

— 33.

— Só?

— 33 e 157.

— Só isso mesmo? Se eu pesquisar vou achar mais alguma coisa?

— 33, 157 e um 121, senhor. Mas esse 121 não é meu, não. Os polícia da ROTA que jogaram pra cima de mim.

— Já puxou cana onde?

— São Vicente. Tava sumariando.

— E deu fuga quando?

— No Natal.

Cidim, mesmo de longe, já percebera a estranha e longa conversa que seu parceiro travava com um indivíduo ossudo, o qual trazia tatuagens rústicas pelo braço e olhos vermelhos. Nem precisou perguntar o que estava acontecendo. Percebeu que Fábio pedia sua ajuda sem pronunciar nenhuma palavra. Após dispensar todos os homens em que estava dando geral, Cidim aproximou-se para entender o olhar de desamparo que o colega estampava na face.

O procurado se dizia chamar Jocênio Lima de Souza, apesar de não trazer consigo nenhum documento. Repetiu todas as respostas sobre seus antecedentes ao policial gordo e menos simpático que se aproximou. Conferiram cada número do documento sem pressa.

— Tem um Jovênio com mandado em aberto. Mas o nome da mãe não tá batendo com o que ele disse. — Disse Suzaninha sem descer da viatura, confiando nas informações que acabara de receber do CEPOL.

— Jovênio, não, senhor. É Jocênio. Pode procurar direitinho que vai encontrar meu mandado. Um 33 e um 121, tudo no mesmo B.O.

— Ué, e o 157?

— Tá aí também. Às vezes eu esqueço, senhor.

Era, sem dúvida, um encontro que não desejavam. Mas apesar de tudo, não deixava de ser uma ocorrência a ser considerada como relevante. Encontro de foragido não é coisa com que se tromba todo dia. O delegado, se não ficasse feliz, pelo menos não iria reclamar, e deixaria os três policiais em paz, já que, até aquele momento, eram os únicos que apareceriam no D.P. com algo bom em mãos.

— Vamos pro Distrito. — Sentenciou Cidim. — Lá a gente colhe suas digitais e confere se você é quem realmente está dizendo que é.

Algemado, o homem que se dizia chamar Jocênio foi conduzido até a viatura com as mãos para trás, agarradas por Cidim. Fábio colocou assentou sua pistola no banco, sob a coxa direita e o cabo de prontidão, e assumiu a direção. Suzaninha permaneceu no carona. Todos sabiam que Cidim faria questão de ir no banco de trás, ao lado do preso, para tentar extrair mais informações antes de chegarem do D.P.

O homem entrou na viatura e, ao invés de se sentar como deveria, deitou-se com as costas no banco e passou a chutar Cidim. Desprevenido, uma das bicas acertou o peito do investigador, fazendo com que perdesse o equilíbrio e caísse sobre a porta aberta.

— Socorro. Eles querem me matar! Não é polícia, não. É matador! — as perninhas magras do homem sacudiam dentro do carro, pedalando no ar contra quem pretendesse contê-lo. Seus berros despertaram a curiosidade não só das pessoas que minutos antes foram abordadas no boteco, mas de toda a vizinhança.

Cidim lutava contra o homem incansável. Fábio tentava ajuda-lo, mas também passou a ser alvo das pernas do vagabundo, e quando percebeu, havia mais gente na rua do que poderia imaginar. Teve certeza de que um desses intrometidos gritou: “salva o cara ali!”

As pessoas foram se aglomeram ao redor do automóvel, como se respondessem ao clamor do homem algemado na viatura.

— Não é polícia não. Querem me matar! — Parecia o último cântico de um homem decente, antes de perder a vida nas mãos de criminosos.

Preocupado com a multidão que crescia, Fábio ligou o motor. Suzaninha, que até então parecia em choque, desceu do carro e abriu a porta traseira para tentar ajudar o amigo que sofria, submetido aos golpes daquele homem estranho. Ela precisou afastar um homem que observava tudo com uma proximidade perigosa, e sacar a 45 para convencê-lo a dar dois passos para o lado.

— Caralho! Tomaram minha arma! —  Suzana congelou os gestos quando ouviu Cidim gritar com desespero. Pode ver seu colega fechando a porta da viatura, sair correndo atrás de um garoto em fuga e virarem a esquina juntos, seguidos por uma massa uniforme de pessoas indistintas. Pensou em fazer o mesmo e partir em seu auxílio. As portas das viaturas tinham travas que impediam a abertura pelo lado de dentro, então julgou que o vagabundo que agora chutava exclusivamente as costas de Fábio não fugiria.

Mas antes de ser acometida pelo primeiro impulso da corrida, Suzaninha assustou-se com o que viu. De dentro de um barraco logo à frente do carro, um homem saiu com passos largos e firmes, segurando uma arma na mão direita. O peito livre de roupas brilhava sobre a pança que balançava com seu coxo deambular. Sem interromper a marcha, o estranho apontou para o para-brisas e despejou a primeira carga de tiros.

A policial correu na direção contrária, sem rumo certo. Em seu rastro, dois homens tentavam alcançá-la, certos de que a senhora de aspecto frágil não suportaria muito tempo naquela toada.

Ao encontrar outro boteco aberto com apenas uma pessoa em seu interior, ela fechou as portas do lugar e apontou a bocuda para a cara do homem atrás do balcão.

— Se você abrir essa merda eu descarrego tudo na sua cabeça!

Enquanto isso, Fábio estava de costas para o volante do automóvel, ocupado com os chutes daquele que se dizia procurado, por isso não ouviu os primeiros projéteis atravessando o banco do carona. Estranhou quando o homem enfurecido pela prisão finalmente havia calado a boca. Os estampidos só lhe foram familiares quando os estilhaços de vidro começaram a atingir sobre sua nuca. Naquele instante teve certeza de que sua vida terminaria ali, sob fogo de desconhecidos numa quebrada da Zona Leste.

Alinhou o câmbio na primeira marcha e enfiou o pé acelerador; dois disparos atravessaram a janela da motorista e saiu pela janela do carona; um deles tangenciou a ponta de seu nariz. O corpo de alguém que se colocou na frente do carro quebrou o farol esquerdo, rolou para o teto e despencou no asfalto.

A poeira da viela subiu com a velocidade do veículo, impedindo Fábio de verificar pelo retrovisor quantas pessoas o perseguiam; sabia, porém, que não estava sozinho, porque ouviu mais tiros alcançarem o carro durante a corrida, além de gritos de fúria e clamores de morte.

Olhou para o céu, tentando encontrar a posição do sol. Era Cidim que conhecia as ruas daquele lugar, Fábio sabia somente que a Marginal Pinheiros estava próxima. Virou uma esquina ainda na segunda marcha, mas ao invés de uma saída encontrou um barranco. A partir dali, a queda para um córrego marrom e de cheiro azedo. Não poderia retornar, porque a horda que o perseguia estava cada vez mais próxima.

Fez o certo. Abandonou o carro e jogou-se nas águas imundas do riacho. Manteve-se submerso tanto o quanto pode, esforçando-se para se distanciar o máximo possível do ponto de seu mergulho. Viu o dia escurecer com todo o corpo enfiado na água. De tempos em tempos tinha o cuidado de dissimular sua cabeça na superfície para respirar e tentar ouvir algum perigo. Fábio não quis acompanhar o curso da lama para dentro de uma galeria subterrânea. Preferiu ficar ali, acobertado entre moitas de mamonas e sacos de lixo, até ter a certeza de que poderia voltar para a civilização.

Já era noite quando ouviu o silvo de uma viatura em próximo de onde estava. Aliviado, escalou o barranco por entre a miséria do lugar, seguindo o som que o chamava. Logo o lusco-fusco avermelhado do high light apareceu próximo de onde estava. Era um carro da Polícia Militar que o procurava.

Os homens fardados, ao verem aquela figura indigna, mandaram que se ajoelhasse. Confirmaram ser o investigador que fugiu, alvo de tiros de bandidos durante uma trágica abordagem.

A caminho do D.P., os soldados respeitaram o silêncio do tira. Só respondiam quando eram perguntados:

— Encontraram o corpo do seu parceiro dentro de uma biqueira. 9 tiros da própria arma.

— E a Suzana?

— Foi ela quem nos acionou pelo celular. Ligou para o 190 de dentro do banheiro de um bar e pediu reforço.

Ao menos a amiga vai conseguir se aposentar, ponderou Fábio. Talvez ele mesmo não consiga essa proeza, já que certamente a Corregedoria vai lhe culpar por toda aquela desgraça. Além disso, tinha esquecido sua arma no banco da viatura… ele jamais perguntaria aos policiais militares se a haviam encontrado. Era muita vergonha para um único dia.

— Ô Steve. A P.M. conseguiu pegar quem matou seu parceiro. Mas ainda não apresentamos o vagabundo no D.P. Tá lá no quartel, recebendo o tratamento reservado para quem atira contra polícia. Teu delegado tá sabendo disso e pediu para apresentarmos o flagrante antes de ele encerrar o expediente. Quer dar uma olhada na fuça dele?

— Quero. E faço questão de apresentar esse flagrante como se fosse meu, tudo bem?

 

*Roger Franchini é autor de Ponto Quarenta – A Polícia  Para Leigos

 

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