Veneta Entrevista: Tristan Perreton
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*por Rômulo Luis
Tristan Perreton é um homem de muitos nomes. Como ilustrador, tornou-se famoso na internet nos anos 2000 com posteres de shows e festivais de música e cartazes de filmes inventados, tudo sob o pseudônimo Der Kommissar. Na música, ele é Commando Koko, que anima as noite de Lyon, França, tocando uma mistura de house music e funk. Já na literatura, ele é o autor de Prof. Fall, livro que deu origem à HQ de Ivan Brun, nosso último lançamento.
O quadrinho é uma viagem brutal e alucinógena pela violência da guerra civil em Moçambique, seguindo a história do jovem burocrata Michel, que se vê amaldiçoado por forças misteriosas após presenciar o suicídio de um ex-mercenário. Você pode comprar o livro aqui.
Nesta entrevista ao blog, Tristan fala sobre seu processo criativo, a adaptação para os quadrinhos, as pesquisas que deram origem à história e até sobre a magia dos povos iorubás!
(Lembrando que também entrevistamos o Ivan Brun aqui no blog. Você pode conferir a conversa aqui!)
– Como você descreveria o processo de escrita em Prof. Fall? De onde veio a ideia para o romance?
Tristan: Eu costumava morar perto dos prédios imensos descritos na história. Imaginava com frequência alguém pulando de uma janela e pensava no título de um livro do humorista francês Pierre Desproges, “Mulheres Caindo” ,[Des femmes qui tombent, nunca lançado no Brasil] (que na verdade não tem nada a ver com a história de Prof. Fall).
Escrevi várias páginas sobre essa ideia fantástica e um dia encontrei na minha caixa de correio um anúncio de um médium africano. Ele se chamava Prof. Fall. Tudo se conectou! Então, decidi tentar terminar o que havia começado, porque eu teria orgulho em ter um romance de verdade, mais longo do que as histórias curtas que eu vinha escrevendo. Refiz algumas coisas porque eu havia escrito várias passagens de forma meio automática (especialmente as cenas de pesadelo).
Eu precisava encontrar um link entre tudo isso. Organizei tudo e a trama de Prof. Fall emergiu de todo esse material. Depois, escrevi mais tradicionalmente, com o roteiro que eu tinha definido. Era tudo organizado em torno do número 16, que é simbólico.
– A África, mais especificamente a guerra civil em Moçambique, é um ponto essencial em Prof. Fall. Qual é a sua relação com a temática e o país? Imagino que tenha envolvido muita pesquisa, você poderia nos contar um pouco mais sobre isso?
Tristan: Pergunta difícil. Eu estive uma vez em Burkina Faso quando era criança e devo admitir que isso mudou muito minha percepção da vida, especialmente minha relação com o tempo. Mas, para ser sincero, a guerra civil em Moçambique e Angola surgiu na história por causa de uma única palavra escrita de maneira automática.
O nome do vilão, Domingues, brotou da minha mão sem que eu pensasse muito. Sorte, coincidência, acidente, providência, chame do que quiser… Eu devo ter escrito “Dominguez”, mas quando li, percebi que era um nome português. Eu estava procurando atrocidades e crimes de guerra para colocar na trama e disse para mim mesmo: “Ei, por que não? Portugal também teve colônias”. Eu conhecia um pouco da história do conflito angolano, mas não fazia ideia do que tinha acontecido em Moçambique. Comecei a ler bastante sobre isso e encontrei tudo que estava procurando e muito mais. A descoberta da história dos Naparamas* foi realmente intrigante.
Há também algo muito relevante no livro relacionado à África. Como eu disse, a história é baseada no simbolismo do número 16. E esse número é meio que central no Ifá (oráculo iorubá), que também é uma chave pra história. Eu não queria fazer com que o marabuto, o bem-nomeado Prof. Fall (ok, é um nome do Senegal, não iorubá…), fosse um charlatão, um pilantra, mesmo que o personagem principal, Michel, que, como eu, é um homem branco ocidental, não perceba de verdade tudo o que está acontecendo!
– Como foi seu primeiro contato com Ivan Brun? Foi por causa da adaptação para os quadrinhos ou você já conhecia o trabalho dele antes? E como foi o seu envolvimento durante o processo de criação da HQ?
Tristan: Meu primeiro contato com Ivan Brun foi quando eu era adolescente, provavelmente em um show de punk. Sempre admirei o estilo dele, pois também sou ilustrador. Mais tarde, ele me ensinou a fazer serigrafia (nós compartilhávamos uma oficina de impressão alternativa junto com outras pessoas, chamada Black Screen).
Quando ele me ofereceu adaptar a história para uma HQ, fiquei realmente entusiasmado! Então ele fez quase tudo. Fez as primeiras etapas sozinho, seguindo o enredo. Nós tínhamos reuniões regularmente, onde ele me mostrava o trabalho em andamento. Tudo estava tão bom, e algumas cenas eram exatamente como eu tinha imaginado quando estava escrevendo. Só me lembro de ter feito alguns comentários sobre os elementos que envolviam mágica.
Quando o processo de desenho estava quase no fim, decidimos junto com o Claude, nosso editor da Tanibis, transpor o texto original, que estava escrito no pretérito, para o presente, para torná-lo mais impactante. Então eu tive que reescrever todas as cenas que foram mantidas no quadrinho.
Gostaria de acrescentar que estou muito feliz que o livro seja traduzido para o português, pois muitos personagens têm alguma ligação com essa língua.
– Sua produção artística mistura um tom onírico com um certo realismo cru, seja na escrita, na ilustração ou na música. De onde isso vem? Alguma influência em especial que tenha sido essencial na construção desse estilo?
Tristan: Bom, acho que todos temos nossas próprias sensibilidades, transmitidas através do que aconteceu em nossas vidas. Meus pais tiveram um papel importante na construção da minha linguagem artística. Eles sempre me incentivaram no que eu estava fazendo e me educaram com todas as formas de arte (do cinema à música, aos livros e muitas outras coisas). Eu logo desenvolvi uma obsessão pela cultura trash e underground misturada com um interesse em arte e história antiga. Hoje não gosto mais de coisas obscuras, por mais que isto ainda esteja dentro de mim. Mas ainda tenho uma profunda atração pelo onirismo e por todas as representações do invisível.
Para influências estritas, vamos soltar alguns nomes, mesmo que isso seja muito restritivo: No cinema, George Franju, Jean-Pierre Melville, Sam Peckinpah e Pavel Klushantsev são realmente importantes para mim. Antonin Artaud ou todos os autores antigos (sou muito fã de literatura antiga) nos livros. Go Nagai, Tardi, Jack Kirby e Jano nos quadrinhos.
Como ilustrador, os cartazes mágicos do século XIX, os desenhistas ganeses de pôsteres de filmes e os pintores primitivos italianos são meus mestres. E eu não devia omitir os videogames também… Na música, estou sempre ouvindo funk, troquei o punk rock pela house music e no momento gosto muito de kompa (genêro musical haitiano).
Confiram meu programa de rádio Dance Maniac. Eu toco semanalmente na Radio Canut, em Lyon, França: https://blogs.radiocanut.org/dancemaniac/
Obrigado pelas suas palavras!
Tristan
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