JC, o vampiro – versículo II
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Após ser resgatado das garras do Império Romano, JC experimenta as delícias (e as dores) da vida eterna na Galileia ao lado de seu mestre, o decurião Pantera. Leia o segundo capítulo de JC, o vampiro
Acordei em uma espécie de caverna, onde a luz penetrava por uma pequena fresta na parte superior do lugar. Além de pequena, a entrada deveria estar tapada por folhagem e raízes, e, portanto, eu mal distinguia meu próprio corpo naquela escuridão seca e poeirenta, como os gregos acreditavam que deveria ser o próprio Hades.
Tentei me levantar e gritei de dor. Havia me esquecido que minhas mãos foram atravessadas por dois enormes pregos, da minha própria oficina. Bom, a oficina era da minha mãe. Eu era somente o faz-nada do lugar.
Minha mãe. A pobre mulher está morta, se eu não tiver sonhado tudo.
Olhei para minhas mãos, embaladas em bandagens imundas, e aquelas lembranças pareciam vívidas. Outra dor, mais parecida com uma queimadura, chamou minha atenção para a minha coxa esquerda. Ela também estava enfaixada, e minúsculos pontinhos vermelhos tingiam o tecido. Olhei novamente e descobri a procedência dos trapos; vinham do único vestido de minha mãe.
Chacoalhei a cabeça de novo e tentei olhar em torno. É impressionante o que o olho humano consegue, com um pouco de luz. Nosso olfato é uma merda e nossa audição, ainda mais sofrível – de que outro modo teríamos inventado a gaita de fole? – mas nossa visão realmente é muito refinada.
Era uma gruta subterrânea. O que seria o teto era preenchido por raízes, e pequenos animais rastejavam entre a vegetação rasteira subterrânea, emprestando um movimento meio lúgubre ao lugar. Algumas pedras muito grandes foram evidentemente levantadas, para estruturar a caverna, que agora mais se assemelhava a uma toca. Outras pedras faziam as vezes de banco. Uma delas se parecia com um homem sentado.
Um homem sentado que se levantou e caminhou em minha direção.
Era Pantera. Eu me encolhi, pressionando minhas costas contra a terra e as pedras, e minhas pernas voltaram a latejar. Assim como meus genitais. Na verdade, agora meus genitais estavam ardendo muito, quase me fazendo esquecer que estava enfiado em uma toca com um carniceiro que havia matado os assassinos de minha mãe e de toda a minha aldeia.
– É a doença de Vênus. Uma delas.
Eu arregalei os meus olhos balbuciei alguma coisa, enquanto percebia que os olhos de Pantera, por sua vez, brilhavam no escuro.
– Você deve ter pego em suas peregrinações pelas camas da Galiléia, Yeshua, seu espertinho. Como você consegue?
– … como… – eu estava em choque.
– Digo, você não herdou a beleza de sua mãe, definitivamente. Ah! Não, senhor. E, se ela fosse um homem, seria bem mais alta que você.
– Não… não sou tão baixo.
Tudo bem, não era a primeira coisa mais esperta para se dizer para um cara que arrancou você de uma cruz depois de vingar a morte de sua mãe e a destruição de sua vila e, aparentemente, cuidou de suas feridas. Mas eu não estava nos meus melhores dias. E meus genitais agora pareciam estar pegando fogo.
– Você não é tããão baixo, mas está longe de ser alto. Não tem braços ruins, mas seu corpo não, como dizer, emana beleza e sensualidade.
Chacoalhei a cabeça mais uma vez. Talvez aquilo me tirasse dali. Ou tirasse Pantera da minha frente. Não funcionou.
– E mesmo assim – ele continuou, animado – conseguiu favores das mais variadas mulheres de duas vilas. Incluindo algumas bem bonitas. Ou, pelo menos, que imagino que sejam bonitas. Eu não tenho desejo sexual há pelo menos um século, sabia?
– … isso é um alívio, suponho.
Eu estava começando a engrenar. Pantera deu uma risada estupenda, e um tapa de congratulações em meu joelho, arrependendo-se e pedindo desculpas depois com gestos, quando me encolhi.
– Sim! Hahaha! Eu sempre soube que era isso. Você as faz rir, não é mesmo? Conversa com elas, não é?
– Desculpe, comandante, mas…
– Espera, me deixa terminar. Conversar, Yeshua, é uma arte rara, aqui por essas plagas. Os homens aqui, bem, eles só sabem satisfazer suas necessidades, rezar para deuses inúteis, beber e lutar. E você, – ele se aproximou de novo, me fazendo soltar uma pequena gota de urina, que me fez gemer de dor – você conversa com as pessoas. Você pergunta como elas estão, o que elas querem. É fantástico. Foi por isso que eu salvei sua vida. Uma pena que não tenha chegado a tempo de salvar a da sua mãe.
– Minha mãe…
– Está morta. Aqueles animais… mas eu cuidei deles para você. Matar ainda é das poucas coisas que me dá prazer. Uma pena que eu tenha sido tão rápido. A doença de vênus está doendo? Você está com uma cara…
– Eu…eu perdi minha mãe. Minha tribo foi massacrada. Você, sozinho, matou pelo menos vinte homens…
– Vinte e dois, se contarmos os aprendizes.
– Vinte e dois homens… e… e seus olhos estão brilhando no escuro!
– Você não respondeu se a doença nos seus genitais está doendo.
– É claro que está doendo, putaqueopariu! – choraminguei e desabei em um choro convulsivo, tapando inutilmente os olhos com as mãos.
Pantera silenciou e pareceu embaraçado. Deu mais um tapinha leve em meu joelho e sentou-se novamente na pedra de onde havia surgido.
– Olha, parece o fim do mundo agora, mas veja pelo lado bom! Essa ardência nas suas bolas e no seu pinguelo é sinal que a doença está sendo combatida! O que apliquei em você está comendo a sua doença. Em breve você vai estar curado. Bom, eventualmente você vai morrer, mas vai ressuscitar e vai ser um sujeito difícil de matar, dali em diante.
– O que…o que você está falando? Morrer? Ressuscitar? Por favor, comandante…
– Pode me chamar de Pantera. Devo ganhar baixa desonrosa, de qualquer modo, depois de matar os meus homens. Olha, você está em choque. Ia morrer e tive que ministrar em você um pouco do que eu tenho em meu corpo. Na verdade, um pouco da minha essência. Você vai se sentir melhor em três dias, assim que acordar.
– Acordar?
Eu detestava me comunicar dessa forma. Gaguejar e falar por meio de perguntas. Pantera tinha razão, eu gostava de falar. Usava minha língua rápida para granjear alguma reputação de sujeito divertido e louvável e galantear as damas da região. Agora, eu estava enfiado em uma gruta escura com uma figura misteriosa, que deveria ser o chefe de um regimento, pago pela comunidade para manter a paz. Roma não pedia muito, na verdade, mas era extenuante para nosso povo pobre pagar pela proteção de um reino cuja capital eu nunca tinha visto e cujo poder eu sequer entendia.
– Sim, acordar – ele falou, enquanto puxava a bandagem de minha coxa, revelando uma centena de pequenos buraquinhos ensanguentados na pele – Olha, eu preferi não sugar dos seus pulsos, por conta dos ferimentos da mão. E o pescoço…bom, não sei se isso deixa marcas ou não. Aprendi o que estou dizendo por meio de outra…não era uma pessoa, definitivamente. Enfim, nunca fiz com ninguém. Considere-se minha estreia como Criador.
Antes que eu começasse uma nova frase idiota, que se resumiria a proferir “criador” de forma interrogativa, uma estranha língua, do tamanho de um braço de mulher, saltou da boca de Pantera e abraçou minha coxa. Milhares de pequenas agulhas pareceram emergir daquela língua e eu desmaiei. Desmaiei e morri, logo em seguida. Mas isso eu só fiquei sabendo quando ressuscitei, três dias depois.
*Rafa Campos Rocha é autor de Lobas.
LEIA AQUI O PRIMEIRO CAPÍTULO DA HISTÓRIA
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